3 fichas para o amor
Demétrius Carvalho
2014, Tempos pós modernos? A tecnologia impressionando-me a cada segundo. Aplicativos… para o trânsito, para encontrar o bloco de carnaval, para o banco, para marcar o quanto caminhou, para contar os decibéis, para a temperatura, para afinar um instrumento, para sexo. Não sei… dinheiro compra sexo, mas não sentimento. Não amizade. Existe algum aplicativo para amizade? Deve existir. Para o amor? Deve existir, mas dinheiro compra amor?
– Meu tempo não tinha essas coisas não.
– Falou vô Fernandes. 75 anos e uma vitalidade e bom humor que impressionam. Não era ranzinza. Na verdade eu sabia que logo viria alguma piada dele.
– Eu sei vô, as coisas mudam toda hora.
– Menos eu. Continuo gato com os meus 75 anos.
– E corpinho de 74.
– E rostinho de 73. Confesse meu querido. Procura aí um aplicativo para manter-se assim como seu avô.
Vó Berta entra na sala e também manda a sua:
–Não senhor, corpinho de 69.
– Confesso que pensei besteira na hora, mas não ia tirar onda com minha própria vó. O problema é que se eu respeitava a hierarquia familiar, o vô estava na mesma patente dela.
– 69 né? Seeeeeei?
– Fiz força para não rir e ruborizar a minha vó ainda mais que com certeza falou aquilo sem maldade alguma.
Apesar de tudo, eles se adoravam e ele já abraça ela e muda de assunto para amenizar.
– Vem cá minha veia, to ensinando aqui teu neto a usar os aplicativos.
. – Usar o quê? – Aplicativos, modernidades.
– Mas o vô é besta viu vó, tá me ensinando nada. Eu que tô mostrando as coisas aqui para ele.
– Retruquei.
– Vem aqui filho (pegando-me pelas mãos. Chamava qualquer membro da família de filho). Atravessamos a sala. A sandália arrastada. Embora muito bonita para sua idade, ela não tinha exatamente o mesmo vigor que o vô.
– Seu avô já te contou daquele aplicativo ali?
– Que aplicativo vó?
– O orelhão. Teu avô usou muito aquele aplicativo. Ele possui algumas desvantagens relacionado aos de hoje. Tinha que ser naquele local exato. Podia haver mais gente querendo usar e você tinha que esperar e tinha que pagar. Pequenas cotas de 3 minutos e seu avô usava umas 3 por dia comigo. Não tinha esses cartões de hoje não. Era com fichas. Cada uma dava 3 minutos para poder falar.
O vô chegou por trás, colocou a mão sobre a dela. Encaixou o seu pescoço junto ao dela e pude sentir uma suspirada coletiva. Para tentar quebrar o silêncio, disse que faria um café para nós.
– Negativo, o café de vocês é terrível– falou a vó arrastando outra vez sua sandália.
O vô foi atrás dela e fiquei ali na janela olhando aquele orelhão. Será que eu estava ali por causa dele? Alguns minutos depois, o aroma do café invadia a sala. O olhar no orelhão. Embora a analogia do aplicativo fosse válida, minha vó falava ambientando para a sua época. Embora ela não fosse tão ligada à tecnologia como meu avô, ela entendia que as coisas melhoravam ao passar dos anos. Pensei que ele não tinha vantagem alguma aos reais aplicativos, me virei, vi meu vô cortejando minha vó na cozinha e pensei:
– Tem sim uma grandiosa vantagem no que parecia uma desvantagem. Você não podia falar com várias pessoas ao mesmo tempo, então, você escolhia alguém, se concentrava e ia em frente. Enquanto meus aplicativos gratuitos são efêmeros, meu avô pagava 3 fichas para o amor…