50 Anos de James Bond – Parte 1: “007 Contra o Satânico Dr.No”
Pedro Lauria
(Essa crítica faz parte do especial de 50 anos de 007 – uma crítica por semana, vinte e três semanas)
Vamos esclarecer logo de cara: 007 contra o Satânico Dr.No é um filme de ação apenas mediano. A obra carrega consigo uma narrativa incrivelmente datada parecendo, em alguns momentos, uma paródia dos próprios filmes do espião. Por esse motivo, não é raro ver textos referenciando Goldfinger (o primeiro grande clássico) como o grande responsável pelo status que a franquia alcançou.
O que não pode ser deixado de lado, no entanto, é que 007 contra o Satânico Dr.No é o filme que carrega as referências mais importantes de toda a série. E não falo de referências que fizeram, “apenas”, as platéias daquela época conhecerem o personagem, mas que são os motivos para ainda hoje amarmos James Bond e seus filmes.
007 Contra o Satânico Dr.No se passa na Jamaica, paraíso tropical onde o espião britânico vai investigar a morte de um agente do MI6. Nem preciso dizer que isso vai levá-lo a desvendar uma ameaça nuclear de proporções mundiais. O roteiro, ponto mais fraco da película, é apenas um exemplo de como as tramas da franquia sempre foram muito condizentes com os problemas de suas épocas (não a toa a ideia inicial era adaptar 007 Contra a Chantagem Atômica primeiro).
Essa característica de ser contemporânea a sua época, é, de certa forma, responsável pelo tom datado ao qual eu citei anteriormente. Então em 007 contra o Satânico Dr.No, não se espante ao ver cenas ridículas como a qual tentam matar James Bond com uma tarântula (uma aranha reconhecidamente não venenosa), ou, ainda, detalhes cafonas como o chamativo globo terrestre no meio do laboratório do vilão e o seu carro “dragão”.
Isso, em parte, se deve ao diretor Terence Young, que parecia estar se divertindo com a superficialidade do roteiro e de seus personagens (principalmente as que envolvem Honey ou o Dr.No, nunca levados a sério), mas que ainda sim, faz um bom trabalho ao mostrar algum ritmo nas poucas cenas de ação. Destaco, inclusive, uma cena em que ele se utiliza da trilha sonora para acompanhar os sopapos distribuídos (acho que estou sendo por sessentistas) por Bond. No entanto, não dá pra proteger Young de seu final anticlimático, no qual a batalha entre Bond e Dr.No dura segundos. Sim, segundos.
Mas vamos deixar os problemas de lado. 007 contra o Satânico Dr.No sobrevive a todos eles. Os motivos? Vou enumerá-los.
1. Música tema lendária. Composta por Monty Norman, ela se tornou uma das mais reconhecidas músicas da história do cinema. E o melhor – sobrevive até hoje – seja servindo de background para uma galhofagem de Roger Moore, ou em uma cena violenta de Timothy Dalton, é impossível não sentir um frio na barriga toda vez que ela toca.
2. Ursula Andress. Honey Rider. A primeira bondgirl. Apesar de sua presença na trama não ter justificativa narrativa, a caçadora de conchas que já viu “um mangusto dançando ao luar, um escorpião picando a si mesmo e um louva-a-deus fêmea comendo o macho após a cópula” e que nunca foi a escola “pois ganhou uma enciclopédia do pai, quando tinha oito anos, e já está na letra T“, faz valer sua presença no momento em que sai do mar de biquíni. Uma cena que hoje seria considerada normal, definiu uma época.
3. “Bond… James Bond“. A obra trouxe com ela uma verdadeira mitologia. A cena clássica, em meio a um jogo de black jack (que vocês podem ver abaixo), arrepia até hoje. Os bordões como “A licença zero zero te dá permissão para matar, não para morrer“; a Walter PPK (muito mais eficiente que uma Beretta); o vodka martini batido, não mexido; Q, Moneypenny, a SPECTRE… enfim. Uma obra se torna lendária quando ela ultrapassa eras, e poucos filmes podem dizer que têm personagens, cenas, e elementos tão marcantes quanto 007 contra o Satânico Dr.No.
4. Sean Connery. O primeiro Bond trouxe todos os trejeitos que nos fariam adorar o personagem (e que até hoje procuramos em cada uma de suas novas encarnações): o senso de humor britânico, a cafajestice, a atitude…
Poderia continuar essa lista, fácil, fácil… Mas vamos resumir dizendo que 007 contra o Satânico Dr. No foi responsável por nos trazer o personagem mais emblemático da história do cinema, em um filme como momentos igualmente emblemáticos.
Para quem não consegue compreender a importância de 007 para o cinema, imagine que esse personagem, que existe há mais de 50 anos e 23 filmes, é um registro histórico de todas as mudanças de linguagem cinematográfica, abordagem narrativa (quem diria que os vilões que antes convidavam Bond para jantar, hoje em dia dariam porradas em seu saco – em uma tortura excruciante?) e situações geopolíticas que o cinema e o mundo passaram nessas últimas cinco décadas. Que outra franquia pode dizer isso?
Como eu falei no início da crítica, a obra em questão se trata de um filme de ação apenas mediano. Mas estamos falando de um filme lendário. Ele pode ter suas falhas, problemas e defeitos… Mas no momento em que a música tema começa a tocar, todos eles vão para segundo plano.
BEM NA FITA:
Música tema lendária;
Bond Girl icônica;
Sean Connery dando vida a um James Bond que serve de referência até hoje
QUEIMOU O FILME:
Elementos datados;
Vilão pouco explorado;
Roteiro fraco e recheado de clichês
FICHA TÉCNICA:
Diretor: Terence Young
Elenco: Sean Connery, Ursula Andress, Joseph Wiseman, Bernard Lee, Eunice Gayson, Lois Maxwell, Jack Lord e Anthony Dawson
Produção: Albert R. Broccoli e Harry Saltzman
Roteiro: Richard Maibaum, Johanna Harwood e Berkely Mather baseado no livro de Ian Fleming
Fotografia: Ted Moore
Montador: Peter R. Hunt