50 Anos de James Bond – Parte 2: “Moscou contra 007”

Pedro Lauria

(Essa crítica faz parte do especial de 50 anos de 007 – uma crítica por semana, vinte e três semanas)
Amadurecimento. Essa palavra representa melhor do que qualquer outra o maior mérito de Moscou contra 007. Embalado pelo sucesso de 007 contra o Satânico Dr.No, não é de se espantar que os produtores tenham optado por manter a mesma equipe técnica (diretor, montador, diretor de fotografia e roteirista) do primeiro filme. Essa estratégia que poderia resultar em uma acomodação, representou uma evolução substancial da franquia – repetindo o que deu certo, evitando o que foi problemático e, claro, cometendo novos erros e acertos.
Esse sentimento de evolução é ajudado pela própria cronologia da obra: através de um piquenique entre Sylvia Trench (a mulher que joga blackjack com Bond no primeiro filme) e o agente, somos informados que se passaram seis meses desde o primeiro filme. Coincidentemente um espaço de tempo muito similar ao que separa os dois filmes (que é de mais ou menos um ano).

Moscou contra 007 marca a estréia de Q – o famoso inventor da série


É claro que com a manutenção da equipe ficam evidentes algumas semelhanças visuais. Entre elas aponto os cenários limpos, as filmagens externas in locus, e até mesmo elementos mais pontuais como a repetição de um plano longo onde Bond anda por um apartamento a procura de escutas (exatamente como a cena da cabana em 007 contra o Satânico Dr.No).
O roteiro, elemento mais problemático do primeiro filme, é o grande trunfo dessa obra. Ao invés de vermos o agente em um caso “solto” no meio da Jamaica, aqui somos colocados em meio a uma intriga política (curiosamente é o único caso dos 23 filmes do agente Bond que realmente envolve espionagem). A trama que estrutura o filme é simples: 007 precisa, com ajuda de uma espiã de Moscou, recuperar um aparelho soviético roubado por uma organização criminosa.
Essa organização é a SPECTRE, liderada pelo mítico Blofeld cujo apreço por felinos e o seu rosto desconhecido (só apareceria posteriormente na série), é até hoje lembrado em paródias e homenagens – como são os casos Dr.Evil, da trilogia Austin Powers, e do Dr.Garra, da série Inspetor Bugiganga. Dando suporte a ele também somos apresentados a uma dos vilãs mais icônicas de todos os tempos: Rosa Klebb, a baixinha e zarolha, porém perigosa, ex-agente soviética. Aliás, são os dois que protagonizam, logo no início do filme, um dos grandes diálogos da série, quando discutem sobre o papel da SPECTRE. E isso é feito através de uma metáfora genial: através da briga de dois peixes Bettas (cena que, hoje, nunca passaria pelo crivo do PETA) – descobrimos que a organização procura causar um conflito entre EUA/Inglaterra e a URSS, para poder lucrar em cima do enfraquecimento de ambos.

Rosa Klebb: A agente n.3 da SPECTRE é a mais famosa vilã da série


Vale um parágrafo para elogiar as cenas de ação. Dividindo tempo de tela com as cenas de espionagem, elas impedem que o filme, cuja trama exige um desenvolvimento mais lento, se tornar monótono. Além disso, elas empolgam e impressionam ainda hoje, sem ficarem datadas devido a decisão acertada dos produtores e do diretor de sempre investir nos efeitos mecânico, com explosões reais e uso de dublês, ao invés de recorrer a imagens geradas pelo computador. O resultado impressiona: em uma determinada cena de perseguição alguns capangas são queimados em cenas extremamente realistas (e dolorosas).
Moscou contra 007 também se destaca por nos apresentar uma das melhores Bond Girls de todos os tempos. Ao contrário da caçadora de conchas interpretada por Ursula Andress, Tatiana Romanova, vivida por Daniela Bianchi, é peça chave para o desenvolvimento da história. E é muito interessante acompanhar a complexidade do relacionamento dela com Bond. Mais curioso ainda é ver que essa “complexidade” divide a cena com hilários momentos de machismo. É impossível não imaginar a reação de uma feminista ao assistir a cena em que duas mulheres ciganas se estapeiam pelo amor de um pretendente. Ainda mais com seu desfecho envolvendo Bond e um sorriso sincero no rosto de cada uma.
No final, extremamente cafona e divertido, regido pela belíssima From Russia With Love, cantada por John Barry, vemos os créditos subirem (destaque para o ponto de interrogação ao lado do nome de Ernst Blofeld) quando somos avisados – Goldfinger, o mais conhecido filme da série, estava por vir. E esse talvez seja o maior empecilho de Moscou contra 007 – um dos melhores filmes da série ficou de certa forma obscurecido, pelo seu posicionamento entre duas obras lendárias.
BEM NA FITA:
Uma verdadeira Bond Girl;
Ótimas cenas de ação;
Um bom roteiro envolvendo espionagem e confronto geopolítico
QUEIMOU O FILME:
Ritmo mais lento (embora pontuado por boas cenas de ação);
Desfecho datado envolvendo uma faxineira e um sapato pontudo
FICHA TÉCNICA:
Diretor: Terence Young
Elenco: Sean Connery, Pedro Armendáriz, Bernard Lee, Lotte Lenya, Eunice Gayson, Walter Gottel e Robert Shaw
Produção: Albert R. Broccoli e Harry Saltzman
Roteiro: Richard Maibaum, Johanna Harwood e Berkely Mather baseado no livro de Ian Fleming
Fotografia: Ted Moore
Montador: Peter R. Hunt

Pedro Lauria

Em 2050 será conhecido como o maior roteirista e diretor de todos os tempos. Por enquanto, é só um jovem com o objetivo de ganhar o Oscar, a Palma de Ouro e o MTV Movie Awards pelo mesmo filme.
NAN