
50 Anos de James Bond – Parte Extra: “Casino Royale” (1967)
Pedro Lauria
(Essa crítica, embora fora do cânone, faz parte do especial de 50 anos de 007 – uma crítica por semana, vinte e três – ou melhor, vinte e quatro semanas)
Leia os nomes a seguir, feche os olhos e imagine.
Peter Sellers, considerado por muitos o maior comediante de todos os tempos.
David Niven, um dos maiores atores que o cinema já teve.
Orson Welles, diretor, produtor, escritor e protagonista de Cidadão Kane
Ursula Andress, a primeira Bond Girl
Woody Allen, um dos roteiristas e diretores mais famosos dos últimos 40 anos.
Deborah Kherr, atriz nomeada 6 vezes ao Oscar
Jean Paul Belmondo, astro máximo da nouvelle vague francesa.
Charles Boyer, nomeado a 4 Oscars de melhor ator.
William Holden, um dos maiores galãs da época de Ouro de Holywood.
Jacqueline Bisset, grande estrela francesa.
John Huston, um lendário diretor, roteirista e ator.
O diretor? O próprio John Huston.
A trilha? Burt Bacharach, com uma música que foi indicada ao Oscar e até virou trilha de novela brasileira (Laços de Família, estou olhando pra você).

Isso porque não falei de Barbara Bouchet, uma das poucas atrizes que fez frente a Grace Kelly no quesito “beleza estonteante”.
Pense.
Agora te pergunto. O que pode dar errado em um filme como esse?
Infelizmente tudo.
Casino Royale é um filme que não pertence ao cânone do 007, embora baseado no mesmo livro que, décadas depois, marcaria o reboot da franquia nas mãos de Daniel Craig. Sim, Vesper Lynd e Le Chifre, existem, e são encarnados por Ursula Andress e Orson Welles, reespectivamente. Isso tudo porque Casino Royale ficou de fora da negociação em que os produtores Harry Saltzman e Alberto Brocolli, compraram os direitos de Ian Fleming. Por isso, Charles K. Feldman, que ficou com os direitos, apostou em uma sátira do agente, uma vez que sabia que não conseguiria concorrer com os outros filmes da franquia.
Ainda sim, a história remete muito pouco ao filme de 2006. Nele, James Bond (David Niven) está feliz em sua aposentadoria até que é convencido a voltar a ativa para combater a SMERSH – inimigo em comum das principais agências de espionagem mundial. Isso faz com que este vá para a Escócia, onde conhece Lady Fiona McTarry (víuva de M), que na verdade é Mimi, uma agente disfarçada com a missão de matar Bond. Entretanto, Mimi mas se apaixona por ele, fazendo com que as outras agentes (que se escondem sob o título das”as 11 filhas de Lady Fiona”) cometam um atentado contra Bond. Ele, após escapar, foge para Londres onde assume a posição de M. Lá, ele descobre que vários agentes morreram por causa de envolvimento com mulheres perigosas, e resolve criar um agente “que não se envolva com o sexo feminino”. O novo agente, Cooper, determina que todos próximos a Bond – inclusive mulheres, devem se chamar James Bond 007. Essa artimanha, por sua vez, confundiria Le Chifre – uma das cabeças da SMERSH. Sabendo que este oponente é um grande jogador de Bacará, Bond (o de Niven) entra em contato com Vesper Lynd (também chamada de Bond), para que esta possa convencer Evelyn Tremble (que escreveu um livro sobre Bacará, e também passa a ser chamado de Bond) a participar do plano. Acredite – o filme fica ainda mais confuso a partir daí, envolvendo Jimmy Bond (um sobrinho do espião) e Mata Bond (filha do agente com Mata Hari, o grande amor do espião).
E com isso você já deve imaginar porque um filme de elenco mítico, resultou em uma das piores obras da franquia. A frustração é ainda maior porque os elementos, separados do contexto da narrativa, funcionam. Principalmente a partir da segunda metade da obra quando temos cenas geniais como o embate entre Peter Sellers e Orson Welles em um jogo “mágico de Bacará”; um confronto final que envolve índios, franceses de bigodinho, cowboys e espiões secretos; ou ainda uma cena envolvendo dezenas de tocadores de gaita de fole.
O filme, que com certeza foi uma das maiores referências de Mel Brooks em suas sátiras, tem diversas cenas histriônicas com músicas cômicas, cenários extremamente caricaturais (inclusive um belíssimo cenário que faz referência ao expressionismo alemão), e gags que funcionam (como a divertida comparação das duas Berlins, ao posicionar a câmera sobre o muro). Porém, isso tudo se perde na falta de contexto da narrativa, que além de tudo é extremamente confusa, envolvendo milhares de personagens que aparecem e desaparecem sem nenhum motivo.
Bom. Com a crítica feita, farei agora, algo que não compete ao meu ofício de crítico – falar dos bastidores da filmagem, para explicar o porque desse caos narrativo. Digo isso, porque o crítico precisa analisar o filme como obra completa em si mesmo, sem considerar fatores externos. Mas vamos abrir uma exceção, uma vez que a explicação é simples e didática: Casino Royale é um bagunça porque teve seis diretores e dez roteiristas em um esquema de filmagem em diretores de diferentes cenas/núcleos, não se comunicavam uns com os outros. O pior é imaginar que Feldman, o produtor, deve ter imaginado que essa bagunça poderia ser resolvida na montagem. Isso gerou um filme completamente sem ritmo, com cenas musicais desnecessárias, trechos de quinze minutos sem progressão da ação, repetições de gags por vezes sem fim, em uma história cuja narrativa é impossível de se acompanhar.
No final fica a impressão que um montador com passe livre tirar pedaços, e alterar a livremente as cenas do filme, poderia tornar Casino Royale em uma obra muito menos frustrante. E se quer prova maior, de que no cinema, é importante centralizar certas funções (como a direção) para gerar uma coerência estética/narrativa, e de que fatores isolados de qualidade não resultam obrigatoriamente um bom filme, aqui temos um ótimo exemplo: basta comparar a nota que dei ao filme com a nota de seus elementos.
BEM NA FITA: Algumas boas gags; Elenco mítico; Bond Girls excelentes; Trilha incrível
QUEIMOU O FILME: Filme completamente sem um eixo narrativo, tornando-se impossível acompanhar a história; Um grande número de gags inefitivas; Longuíssimas barrigas de roteiro que além de tudo parece deslocadas da obra
FICHA TÉCNICA:
Diretores: Val Guest, Ken Hughes, John Huston, Joseph McGrath, Robert Parrish, Richard Talmadge
Elenco: David Niven, Peter Sellers, Ursula Andress, Orson Welles, Joanna Pettet, Daliah Lavi, Woody Allen, Deborah Kerr, William Holden, Charles Boyer, John Huston, Kurt Kasznar, George Raft, Jean-Paul Belmondo, Terence Cooper, Barbara Bouchet
Produção: Charles K. Feldman
Roteiro: Wolf Mankowitz, John Law, Michael Sayers (e não creditados:Woody Allen, Val Guest, Ben Hecht, Joseph Heller, Terry Southern, Billy Wilder, Peter Sellers)
Fotografia: Jack Hildyard
Montador: Bill Lenny