Crítica de Filme | As Sufragistas

Bruno Giacobbo

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20 de dezembro de 2015

As mulheres que, hoje, participam dos movimentos feministas ou realizam campanhas nas redes sociais denunciando atitudes machistas e inconvenientes, escrevendo hashtags, possuem uma profunda dívida de gratidão com a inglesa Mary Wollstonecraft, que no distante ano de 1792 ousou, pela primeira vez, por meio de manifestos e livros, defender o voto feminino. A coragem desta escritora britânica inspirou mulheres como Elizabeth Stanton e Susan Anthony, nos Estados Unidos (1852); Kate Sheppard, na Nova Zelândia (1893), Millicent Fawcett, na própria Grã-Bretanha (1897); e, ainda que tardiamente, Celina Guimarães Viana, no Brasil (1928), a seguirem o mesmo caminho. Todas, em seus respectivos países, são ícones da luta pelo sufrágio feminino e a livre participação na grande festa da democracia, justamente através do voto, é a mãe de todas as liberdades individuais. Logo, se não fosse por esta precursora e suas seguidoras, talvez, muita coisa fosse diferente. Assim sendo, o filme As Sufragistas, dirigido por Sarah Gavron, é uma justa homenagem que chega aos cinemas em hora propícia, dada a nova efervescência dos movimentos pró-mulheres no século XXI.

Contar toda a história das sufragistas resultaria em um longa-metragem complexo e, possivelmente, inacessível aos diversos tipos de espectadores que ele poderia atingir, já que não é qualquer um que se interessa por narrativas enormes e repletas de detalhes minuciosos. Por isto mesmo, a cineasta optou por um recorte temporal preciso. A trama se inicia em 1912, quando a “União Política e Social das Mulheres”, grupo liderado pelas personagens reais Emmeline Pankhurst (Meryl Streep) e Emile Davison (Natalie Press), esta última uma mártir da causa, vivia o auge do seu enfrentamento com a patriarcal sociedade britânica Mas a protagonista não é nenhuma das duas e, sim, Maud Watts (Carey Mulligan), uma dona de casa que dia trabalha em uma lavanderia e de noite cuida da família. Influenciada pelas idéias de Violet Miller (Anne-Marie Duff) e Edith Ellyn (Helena Boham Carter), aos poucos, ela se tornará uma defensora tão ou mais ferrenha do sufrágio feminino, fato que afetará todos a sua volta.

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A obra de Gavron tem dois pontos fortes: a atuação de sua intérprete principal e as cenas de violência contra as mulheres. Mulligan, uma atriz que na maioria das vezes chama a atenção pela falta de carisma em seus trabalhos, desta feita, conseguiu compor sua personagem na medida certa, nem um tom acima, nem tom abaixo. A transformação da esposa subserviente ao marido, em militante determinada, acontece gradualmente debaixo dos nossos olhos. O ponto de ruptura, que assinala esta mudança, é a cena em que ela é deixada do lado de fora de casa, pelo esposo, depois de desobedecer uma ordem e agir confirme sua cabeça. Já as passagens onde imperam a violência masculina impressionam pelo grau de realismo. Da agressão na hora de reprimir as manifestantes em uma passeata, a uma cena de tortura envolvendo Watts, tudo, nestes momentos, gera uma apreensão que nos leva a pensar o quão difícil era lutar por seus direitos naquela época (neste aspecto, será que as coisas estão muito diferentes hoje? Tenho minhas dúvidas).

As Sufragistas é cinema de boa qualidade, mas, completamente, convencional. Tem cara e jeito de película acadêmica, bem de acordo com a formação de sua diretora. Não traz nenhuma inovação estética, artística ou autoral. Um filme baseado em fatos reais que se assemelha a uma daquelas cinebiografias inglesas, tipo “O Discurso do Rei” (2010), “O Jogo da Imitação” (2014) ou “A Teoria de Tudo” (2014), com narrativa linear e as tradicionais informações no fim, em forma de legenda, jogando luz sobre o destino de alguns personagens. Apesar de não ser nenhuma novata, Sarah Gavron já dirigiu seis filmes e possui uma indicação ao BAFTA de melhor direção, em 2007, a diretora escolheu não ousar, talvez, por achar desnecessário ou por não combinar com o seu perfil. Esta falta de ousadia não chega a se configurar um problema, porém torna a obra esquecível e muito mais importante pela pertinência de sua temática do que por qualquer outro motivo.

Desliguem os celulares e boa diversão.

FICHA TÉCNICA:
Direção: Sarah Gavron.
Produção: Alison Owen e Faye Ward.
Roteiro: Abi Morgan.
Elenco: Carey Mulligan, Helena Bonham Carter, Meryl Streep, Natalie Press, Anne-Marie Duff, Romola Garai, Brendan Gleeson, Ben Whishaw, Samuel West e Adrian Schiller.
Trilha Sonora: Alexandre Desplat.
Direção de Fotografia: Edu Grau.
Montagem: Barney Pilling.
País: Grã-Bretanha.
Duração: 106 minutos.
Ano: 2015.

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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