Ao ser entrevistada pelo jornal El País, Maria Valéria Rezende declarou: “As pessoas têm aquela ideia de que as freiras são meio bobinhas. Como pode escrever literatura e ainda ganhar prêmio?” A freira, que ressaltou a ignorância do público em relação a isso e se descobriu uma autora aos 60 anos, é um dos nomes mais importantes da literatura brasileira contemporânea. Cada uma das suas obras é uma potente contestação ao pensamento raso, preconceituoso e ingênuo em relação à ingenuidade atribuída às freiras.
Maria Valéria Rezende é uma grande observadora do mundo e seus livros possuem uma abordagem sensível, uma linguagem poética e, simultaneamente, crítica. Em Quarenta dias, por exemplo, o leitor acompanha a jornada de Alice, uma professora aposentada que sai pelas ruas à procura de um rapaz desaparecido. A partir desse enredo aparentemente banal, emergem assuntos como a pobreza, o lugar do idoso na sociedade e o processo de autodescoberta. A narrativa sensível predomina também em O voo da guará vermelha que se trata da relação entre um pedreiro analfabeto e de uma prostituta soropositiva que o ensina a ler e escrever.
O novo livro de contos A face serena mostra uma faceta menos conhecida da autora: o uso do tom cômico para contar histórias. Ainda assim, nota-se também um tom amargo por trás disso. A obra expõe várias etapas do ato de viver que abarcam desde a infância até a velhice, incluindo a inevitável morte. Os temas são variados e incluem relacionamentos familiares, descoberta sexual, diferenças de classe, entre outros. Em “Conto de Natal”, o personagem Nonato, descrito como um fracassado, fica feliz em dar presentes aos seus sobrinhos. Porém, para fazer isso, ele precisa correr atrás de trabalhos extraordinários, já que suas condições financeiras são muito mais precárias do que as do seu irmão.
Além disso, a autora brinca com a intertextualidade ao colocar Machado de Assis como personagem no conto “Da Lapa ao Cosme Velho”, que se refere ao conto “A causa secreta”, escrito por Machado. No penúltimo conto do livro, “Laudo”, um artifício semelhante é utilizado quando a história faz o mesmo com o filósofo  Friedrich Nietzsche ao tratar de um personagem médico legista e também filósofo chamado Nietzsche da Silva dos Santos. Já “A face serena”, último conto que dá título ao livro, condensa o período de tempo da infância até a velhice quando apresenta uma fotógrafa que está sempre à espera de algo e um final surpreendente.
Ficha técnica
Título: A face serena
Autora: Maria Valéria Rezende
Editora: Penalux
Ano: 2018
Especificações: Brochura, 158 páginas