BAÚ DO BLAH! | ‘Um Lugar Chamado Notting Hill’ (1999)

Bruno Giacobbo

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19 de abril de 2019

Outro dia, estava pensando e cheguei à conclusão que as minhas comédias românticas favoritas são aquelas que possuem algum elemento fantástico. Em “Questão de Tempo” (2013), por exemplo, o protagonista descobre que os homens de sua família têm o dom de viajar para o passado desde que entrem em um armário. Desta forma, algo que não tenha sido bem feito pode ser refeito satisfatoriamente. Já em “Escrito nas Estrelas” (2001) a magia está no simples fato de uma nota de um dólar e um livro, depois de circularem por milhares de mãos, chegarem até as pessoas certas possibilitando um reencontro apaixonado. É o destino e este, por si só, é mágico. No entanto, seguindo esta premissa, minha comédia romântica favorita é Um Lugar Chamado Notting Hill (Notting Hill), de 1999. E aí, eu juro, vou entender se alguém perguntar o que há de fantástico neste filme. Então, a magia está justamente na razão que me faz amar esta história e, paralelamente, provoca indignação em um amigo crítico: Qual é a chance da Jennifer Lawrence, em um tour pelo Brasil, dar de cara com o portão verde do meu prédio? A mesma de Anna Scott (Julia Roberts) topar com a porta azul da casa de William Thacker (Hugh Grant). No filme acontece.

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Dirigido por Roger Michell e roteirizado por Richard Curtis, o longa-metragem conta a história de William Thacker, o proprietário de uma pequena loja de livros de viagem, no charmoso e bucólico bairro de Notting Hill, em Londres. Sua rotina é de casa para o trabalho, do trabalho para casa. Separado, na realidade, abandonado pela esposa, ele mora com Spike (Rhys Ifans), um galês completamente sequelado. Fazem parte de seu círculo de amizade o casal Max (Tim McInnerny) e Bella (Gina McKee), que vive em uma cadeira de rodas há 18 meses, mas que não se deixa abater; sua irmã esquisita Honey (Emma Chambers) e Bernie (Hugh Bonneville), um terrível corretor da bolsa de valores. Ou seja: pessoas absolutamente comuns e que nada tem a ver com Anna Scott, a grande estrela de Hollywood. Acontece que isto é um filme e um belo dia esta entra na livraria do protagonista, ele derruba um suco de laranja nela e as coisas vão acontecendo como numa reação em cadeia. E apesar das diferenças, a conexão entre eles é imediata. Talvez, e neste momento isto não passa de uma especulação, algo nele tenha feito ela lembrar da época que ainda não era famosa.

A partir daí, em que pese quão absurda (e fantástica) pareça a ideia de alguém tão famoso estar com alguém tão comum, o roteiro consegue harmonizar as diferenças até que o público compre esta história como crível. Com a mesma habilidade demonstrada em outros ótimos textos, “Quatro Casamentos e Um Funeral” (1994), “Simplesmente Amor” (2003) e o já supracitado “Questão de Tempo” (2013), Richard Curtis conseguiu criar situações que aproximam os personagens. Quando encontra os amigos de William, no aniversário de Honey, Anna age como um deles. Sem esnobismo ou afetação. Educada, seu comportamento contrasta com o de outra personagem em uma cena posterior. Sinal de que não estava fingindo. Esta tomada, uma das melhores de todo o longa-metragem, que termina com a turma em festa depois que o casal ganha as ruas e a noite de Notting Hill, faz todas as demais soarem naturais. Por um segundo, nós e William, esquecemos que Anna ganhou US$ 15 milhões no seu último trabalho. Ela é só a garota que é capaz de pular o muro de um jardim particular e que, no fim de tudo, vai implorar pelo amor do boy de coração calejado. Salvador Dali afirmou uma vez que: “Nada me muda, tudo me modifica”. É possível ganhar uma fortuna e continuar sendo a mesma menina do interior e o roteirista nos faz acreditar piamente nisto.

A direção de comédias românticas britânicas costuma ser bastante conservadora. Não são obras que se arrisquem e que possamos dizer que possuam um viés autoral. Nestes casos, é tranquilo atribuir a questão da autoria ao roteirista, ainda mais quando este é Curtis, dono de uma escrita característica. No entanto, aqui, o diretor Roger Michell se permite um pequeno floreio quando precisa sinalizar uma grande passagem de tempo. William está caminhando pela Portobello Road, a rua onde fica sua residência e a feira de antiguidades que é mostrada no iniciozinho do filme, ele passa pela irmã que está acompanhada de um namorado, por barracas, por transeuntes, pela irmã mais uma vez, só que agora chorando e brigando com o namorado. Vestido com a mesma roupa, mas com uma alternância clara de estações: outono, inverno, primavera… Tudo sem cortes com a câmera o seguindo atentamente em um plano-sequência bem delineado. Não é o plano-sequência mais engenhoso que vocês assistirão esta semana, porém é delicado e completamente eficiente em seu propósito.

Não há como não falar das interpretações de Julia Roberts e Hugh Grant. De acordo com informações de bastidores, os dois foram as únicas escolhas da produção. A atriz, por motivos óbvios. Ele era, na época, a grande estrela hollywoodiana e a personificação ideal de Anna Scott. Reza a lenda que ela leu o roteiro e concluiu, imediatamente, que precisava fazer o filme. Já a escolha do ator foi ainda mais pessoal. Segundo uma declaração de Michell, Grant interpreta Curtis melhor do que ninguém; Curtis escreve para Grant melhor do que qualquer outra pessoa. Os dois fizeram parceria em cinco filmes e a forma como Grant diz cada frase parece única. Ele tem um jeito que, às vezes, parece muito cínico, em outros momentos, irônico e, acima de tudo, espirituoso. Estas nuances combinam perfeitamente com o estilo dos diálogos presentes na tal escrita característica de Curtis. Para além disto, a escolha do casal foi bastante acertada, uma vez que a química é evidente. Ao som de “She”, na voz de Elvis Costello, mais do que evidente, ela é perfeita.

Todo filme é melhor quando, de alguma forma, ele cria um laço afetivo com a gente. Um Lugar Chamado Notting Hill não versa apenas sobre o amor virtualmente impossível entre uma estrela de Hollywood e um homem comum. Ele é também sobre laços de amizade. É uma obra que já vi 40 vezes e que a cada nova olhada foi em se enraizando mais no meu peito. Os amigos de William são: Max, Bella, Bernie, Honey e Spike. Para mim, estes se chamam Lucas, Miguel, Larisse, Pedro e Ana, sem querer traçar qualquer comparação específica entre personagens e pessoas reais. Em um jantar, Bella diz que desistiu de entender por que algumas coisas dão certo e outras dão errado. Porque alguns têm sucesso e outros são chamados de fracassados. Não, meus amigos, eu não estou nos chamando de fracassados. Somos apenas pessoas comuns que seguem em frente com um pouco de sorte aqui e um pouco de azar acolá. Eu não vou jamais derrubar um suco de laranja na Jennifer Lawrence, mas a amizade que nos une é a mesma que permeia cada frame desta deliciosa obra-prima. E é a amizade o maior tesouro que podemos amealhar ao longo da vida. Logo, só me resta agradecer a vocês e a Roger Michell e Richard Curtis por tudo. Obrigado.

Desliguem os celulares e excepcional diversão.

Em tempo: os amigos citados também poderiam se chamar Rafael, que conheci durante uma campanha política e se tornou um irmão; a companheira de grupo jovem e cinefilia, Erica, que, mesmo com alguns breves interstícios, está na minha vida desde 1992; a arretada Atena, presente que ganhei em uma escala em João Pessoa, voltando de um jogo de futebol que transmiti, no Ceará, em 2005 – quantas pessoas ainda trocam cartas em 2019? Nós trocamos – ou Francisco, crítico de cinema como eu, que aprendi admirar com o passar do tempo e hoje posso chamar de amigo. E tem a Tati, a Manu, a Jana, a Carol… Era simplesmente impossível citar todos e se citei os que citei, é porque alguma coisa naquela patota lembra a minha própria patota.

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: Notting Hill
Direção: Roger Michell
Produção: Duncan Kenworthy
Roteiro: Richard Curtis
Elenco: Hugh Grant, Julia Roberts, Rhys Ifans, Tim McInnerny, Gina McKee, Emma Chambers e Hugh Bonneville
Diretor de Fotografia: Michael Coulter
Distribuição: PolyGram Filmed Entertainment e Universal Pictures
País: Reino Unido e Estados Unidos
Gênero: comédia romântica
Ano de produção: 1999
Duração: 124 minutos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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