Bicicleta

Demétrius Carvalho

Tudo bem, a minha cidade não é uma megalopole, mas longe de ser pequena. Algo em torno de 780 mil habitantes e o bairro que eu trabalhava era meio esquisito. Não esquisito de esquisito, mas de meio deserto. Perfeito para se cometer delitos com algum transeunte desatento, com um carro de bobeira. Sinceramente eu não confiaria deixar minha carteira 15 minutos mesmo entre as pessoas que trabalhava ali. Não entendia como aquela bicicleta estava ali, dia após dia. Fazia apenas 2 semanas que eu estava trabalhando ali, mas acho que logo no primeiro dia ela chamou-me a atenção.
Deve ter sido por volta do terceiro ou quarto dia que pensei: De novo? Ali? Então teve um dia que eu vi uma garota do lado da árvore. Fumava vagarosamente com um pé encostado na parede. Ela era bonita. Um pouco descuidada, mas bonita e fiquei esperando ela terminar o cigarro. Por certo que montaria na bicicleta e pensei que não roubavam a bicicleta dela para que ela voltasse no outro dia. Fazia todo o sentido, mas quando ela terminou, jogou a butuca no chão e eu fiquei meio transtornado com isso. O local estava descuidado, mas não sujo e já viu né? Abriu a porteira, já era. Então, ela atravessa a ruela de paralelepípedos e entra na mesma fábrica que eu trabalhava. Ok, a fábrica era enorme e com certeza que eu não conhecia todo mundo que trabalhava ali.
– Faz duas semanas que eu trabalho aqui e to meio impressionado com aquela bicicleta ali todo dia. – Ah cara, ela deve estar ali uns 3 meses.
Não sei o motivo ou o dono, mas a bicicleta tinha algo mágico. Como poderia estar ali tanto tempo e ninguém a roubava? Ou será que todo dia alguém estacionava ali novamente? Algum vigia em seu turno talvez. Parava por ali e como ele era o vigia, não tinha como roubarem.
– Quem é o vigia do turno Carlos? – Sei lá… quer dizer… sei, mas não sei o nome dele.
Estava já concentrado na função de fabricar pequenas engrenagens que iriam compor um relógio de pulso.
– Ele! – Hã? – É ele. – Ele quem? – O vigia do turno. – Ah… ok…
Prestei atenção nele, mas passou sem sequer olhar para a bicicleta. Ou pelo menos não deu grande atenção ao verificar que ela estava ali. Nesse dia eu voltei para casa realmente pensando nessa bicicleta.
Estava com Camila e aí nem me recordava dela, mas quando voltávamos para casa do cinema, alterei um pouco o caminho com a desculpa de mostrar para ela onde estava trabalhando. Chovia, mas na verdade, eu queria me certificar que a bicicleta não estaria ali, aquela hora. Quando dobrei o quarteirão, pude sentir uma taquicardia ao notar que não só estava lá, como era a única coisa que realmente chamava a atenção naquele quarteirão. Havia uma luz em cima da bicicleta que parecia ter sido projetada para dar-lhe foco. O jato de água que jorrava na tubulação ao lado dela, dava movimento e som ao quadro. Eu confesso que não pensei. Saiu sem querer.
– A bicicleta… – Linda né? – O que? – A bicicleta ora bolas… – Você conhece ela? – Claro que sim.
Fiquei meio constrangido de dizer que não sabia de quem era, mas essa noite eu realmente fiquei perturbado e cheguei a sonhar que chegava no trabalho e ela não estava lá. Acordei ansioso. Precisava chegar lá para constatar isso. Felizmente ela estava lá, mas a inquietação que ela me causava, estava indo longe demais.
– De quem é essa bicicleta? – Do seu Antunes.
Finalmente estava explicado. Quem roubaria a bicicleta do dono da fábrica? No meio da tarde então, voltei a me incomodar. Tudo bem que seu Antunes morava dois quarteirões dali. Dava para ele vir a pé até, mas por que ela estaria ali no domingo de noite?
18:00h. Fim do expediente e fui direto para a sala do seu Antunes.
– Queria falar com o senhor a respeito de sua bicicleta. – Sem problemas. Estou indo fumar. Por que não vamos para onde ela está?
Fomos e sem rodeios disparei.
–Por que acha que ninguém leva a sua bicicleta daqui? Ele sorriu, balançou com muita força a bicicleta que não se moveu e respondeu: – É uma instalação de arte. Se você conseguir tirar ela daqui, é sua.
As vezes, temos dúvidas realmente estúpidas em nossas mentes…

Demétrius Carvalho

Demétrius Carvalho é músico, multi-instrumentista e produtor musical de origem, mas anda com frequência em outras artes passando pela literatura, fotografia. Blogueiro, da suas impressões ainda sobre cinema, artes plásticas e definitivamente é multimídia adorando sobrepor arte sobre arte.
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