Cinema ao Pé da Letra – Parte 10: Agora a coluna começou de vez – Campo e Fora de Campo

Pedro Lauria

Pronto. Depois de nove colunas e um logo inverno discutindo sobre os aspectos linguísticos e as tecnicidades de formato, finalmente vamos discutir linguagem.

Eu sei, sei. Linguagem é o que a Tia Cotinha te ensinava na 2a Série do Fundamental e era um saco. Mas acredite em mim: Linguagem Cinematográfica é algo sensacional. Chega de assistir filmes como historinhas banais: a partir de hoje, você vai entender todos os elementos e engrenagens que, usados de maneiras criativas e inteligentes, transformam um simples filme em uma obra de arte.

Chegou o momento de entender o que diferencia um Martin Scorsese de um Michael Bay.

Então deixemos de papo. Vamos falar de Campo e Fora de Campo.

Campo

Espaço imaginário que se vê na tela.

Por exemplo, no Campo da figura acima vemos Gandalf, Aragorn, Legolas e (o machado de) Gimili. E o mais importante: vemos a Terra Média - e não a Nova Zelândia (onde o filme foi de fato filmado). Por isso falamos de espaço imaginário (o espaço fílmico).

Por exemplo, no Campo da figura acima vemos Gandalf, Aragorn, Legolas e (o machado de) Gimili. E o mais importante: vemos a Terra Média – e não a Nova Zelândia (onde o filme foi de fato filmado). Por isso falamos de espaço imaginário (o espaço fílmico).

Um dos maiores desdobramentos da existência do campo é que ele não se restringe somente a sua delimitação arbitrária pelo Quadro (os limites da tela de cinema). É como se olhássemos um jardim por uma janela. O que vemos pelo janela é o campo, mas sabemos que o jardim existe para além do que é mostrado pela janela (o quadro). E a isso damos o nome de Fora de Campo.

Fora de Campo

Espaço imaginário que não vemos na tela.

E o fora de campo é algo incrível.

Como já vimos nas colunas anteriores, o componente biológico/genético do ser humano conta muito na hora de assistir a um filme. E a nossa biologia nos faz temer tudo aquilo que não vemos (o escuro, o desconhecido) – por tal motivo, o fora de campo é tão impactante, ou mais, do que aquilo que de fato é mostrado em campo.

Sabe quando assistimos a um filme de fantasmas e ficamos morrendo de medo até o momento que o fantasma aparece? E ai toda a tensão vai embora porque o fantasma é feito com (d)efeitos especiais?

É um exemplo claro disso.

Um mestre do Fora de Campo foi Alfred Hitchcock. Ao contrário dos diretores chifrins que acham que Ketchup e efeitos especiais assustam alguém, ele sabia utilizar a ideia daquilo que não vemos para nos assustar. Uma das suas melhores utilizações foi no filme Frenesi.

Na cena em questão, sabemos que um dos personagens vai estuprar e matar a sua vítima – um ato de barbárie e extremamente estarrecedor. O que poderia ser mais impactante que mostrar o estupro?

Simples. Não mostrá-lo.

Veja abaixo a cena que eu considero um dos melhores (se não o melhor) planos sequência da história do cinema.

Perceba como Hitchcock usa o campo para mostrar que a vida segue normalmente lá fora, enquanto os passantes não fazem ideia de que um crime horrível está acontecendo dentro do prédio.

Agora vamos inverter a situação: e quando o que teoricamente aconteceria fora de campo é muito mais interessante de ser mostrado do que aquilo que deveria ser mostrado em campo?

Usemos um exemplo de Festim Diabólico, também de Alfred Hitchcock (sim, não é a toa que ele é considerado um dos maiores diretores da história do cinema).

A obra conta a história de dois amigos que matam um colega no dia de sua festa de despedida (ele iria se mudar para outro país). A ideia deles é simples: armar a festa de despedida com todos os familiares presentes, esperando que ninguém descubra que o corpo do morto está em um baú no meio da sala.

Em um dado momento do filme, depois que todos os personagens jantam (ainda esperando o morto “chegar”), os dois assassinos começam a conversar com um professor que desconfia que um crime pode ter sido cometido.  Enquanto 99% dos diretores mostrariam o diálogo, Hitchcock faz um opção muito mais interessante e que gera muito mais tensão. Ele foca na empregada, deixando a conversa fora de campo, que está tirando os pratos sobre o baú onde se encontra o morto.

Veja a cena abaixo  –  a partir do 3º minuto do vídeo abaixo ou assista direto no Youtube aqui

Genial, não?

Bom, ainda tem muito mais coisa para se falar sobre o assunto. Porém, eu não vou apressar nada. Deixemos para continuar na próxima semana.

Enquanto isso, façam um exercício: nos próximos filmes assistirem, prestem atenção em tudo aquilo que o diretor optou por mostrar (e por não mostrar na tela). Por que tal coisa está em plano? Algo importante acontece fora de campo? Porque dessas escolhas?

Só essa brincadeira já vai fazer sua experiência cinematográfica ser muito mais rica.

E até semana que vem.

Pedro Lauria

Em 2050 será conhecido como o maior roteirista e diretor de todos os tempos. Por enquanto, é só um jovem com o objetivo de ganhar o Oscar, a Palma de Ouro e o MTV Movie Awards pelo mesmo filme.
NAN

#TAG

Hot News