Cinema ao Pé da Letra – Parte 12: O Fora de Quadro e A Quebra da Quarta Parede

Pedro Lauria

Fora de Quadro?

Não é a mesma coisa que Fora de Campo?

Não. E os teóricos de cinema deveriam pedir desculpas pela confusão semântica causada pelo par dicotômico Quadro e Fora de Quadro. A discussão sobre isso é turva, porque, semanticamente Fora de Campo faz mais sentido para referir ao que é Fora de Quadro e vice-versa. Mas não cabe aqui ficar fazendo discussões sobre isso. Na dúvida, ignorem o nome e guardem apenas o conceito – que é interessantíssimo. Vamos aos poucos.

Quadro

É a delimitação física do espaço filmado. Ou seja, a “moldura” que se faz com as limitações da tela.

Tal como o quadro de uma pintura, correto?

Quase.

Se é possível fazer a comparação entre uma pintura e a tela de cinema, é necessário, antes de tudo, estabelecer algumas diferenças cruciais. A primeira, se refere a própria qualidade única do cinema: o interior do quadro está em movimento (diferente de uma fotografia, por exemplo, onde o interior do quadro é estático). Mas essa não é a única singularidade do cinema, existe outra: o quadro pode estar em movimento. Então, enquanto os quadros de Da Vinci e Rafael compartilham molduras fixas, as molduras da tela de cinema podem se movimentar pelo espaço (fílmico).

Já a segunda grande diferença do cinema para a pintura são consequências diretas dessa própria capacidade de “poder se movimentar livremente pelo espaço”. Enquanto o quadro (de uma pintura) polariza o espaço em direção ao seu interior (ou seja, de forma centrípeta), o quadro (ou tela) de cinema, polariza a direção para fora do quadro (centrífugo) – podendo se prolongar indefinidamente no espaço/universo fílmico.

Alguma vez você já pensou no que existe "além do quadro" de Monalisa? Falo de suas pernas e de seu entorno. Se sua resposta for não, você entendeu exatamente como essas forças funcionam.

Alguma vez você já pensou no que existe “além do quadro” de Monalisa? Falo de suas pernas e de seu entorno. Se sua resposta for não você entendeu exatamente como essas forças funcionam.

Isso se dá pela própria possibilidade de se movimentar a câmera, mostrando que o limite da tela é só uma arbitrariedade que delimita o espaço fílmico mostrado. Afinal, na cena de O Poderoso Chefão, mostrada acima, levantássemos a câmera, veríamos a janela. Se abaixássemos, veríamos o corpo de Corleone e Bonasera. E assim por diante. A possibilidade de se mover o quadro (ou, em vocabulário leigo, a câmera) e continuar mostrando elementos fílmicos, é a prova de que existe um espaço fílmico e que a câmera só mostra parte dele.

Porém, se aquilo que “a câmera não mostra” do espaço fílmico é o fora de campo. Que raios é o fora de quadro?

Fora de Quadro

O fora de quadro faz referência aquilo que está fora da dimensão fílmica.

Mas hein? O que isso quer dizer?

O "dentro de Quadro" marcado em linhas horizontais e o "fora de Quadro" em linhas verticais. Em uma explicação tremendamente simplista, é claro.

O “dentro de Quadro” marcado em linhas horizontais e o “fora de Quadro” em linhas verticais. Em uma explicação tremendamente simplista, é claro.

O fora de quadro faz referência àqueles elementos que estão no set de filmagem (no espaço onde a câmera está), mas não estão sendo filmados. O diretor, o câmera, o equipamento… Tudo isto está fora de quadro.

A Quebra da Quarta Parede

É possível então dizer que aquilo que é filmado pela câmera, formam seis paredes. Sendo que a quarta, é justamente aquela preenchida por aquela voltada para a lente da câmera. Ou seja, se fosse possível olha por trás da quarta parede (ou, por trás da lente da câmera), veríamos justamente quem está por trás dela: o operador de câmera, o diretor, o microfonista…

Desenhando...

Desenhando…

Por isso que dizemos que a quarta parede é quebrada sempre que um elemento que deveria estar nos bastidores, aparece na frente da câmera. Ou seja, quando um microfone (ou seu reflexo) aparece, ou um personagem em um filme de época usa um relógio moderno (porque o ator (e não o personagem) esqueceu de tirar antes da gravação), quando alguém da equipe aparece sem querer… Ou por querer. Apesar de incomum, filmes como Banzé no Oeste, fazem referências ao fato de um filme estar sendo filmado, sofrendo interrupções inclusive do diretor.

Exemplo de quebra de quarta parede não intencional.

Exemplo de quebra de quarta parede não intencional.

Porém, a quebra da quarta parede não se resume a isso. Uma vez que o filme é exibido, a quarta parede (o por trás da câmera), passa a ser o espectador na sala de cinema. E aí temos um novo leque de quebras de quarta parede: quando o personagem olha direto para câmera (e para os olhos do espectador) – como no início de O Libertino, (quando Johnny Depp inclusive fala com o espectador), ou no final de Psicose (quando Perkins encara a audiência).

Mas chega por hoje. Ou melhor…

Pedro Lauria

Em 2050 será conhecido como o maior roteirista e diretor de todos os tempos. Por enquanto, é só um jovem com o objetivo de ganhar o Oscar, a Palma de Ouro e o MTV Movie Awards pelo mesmo filme.
NAN