Cinema ao Pé da Letra – Parte 20: Vamos a parte prática! Analisando “Um Dia de Fúria”

Pedro Lauria

\o/ Chegamos na vigésima edição de Cinema ao Pé da Letra! \o/
E ainda tem muita coisa pra falar. Mas para comemorar o número redondo, vamos fazer nossa primeira análise de cena: ou seja – escolher uma cena emblemática da sétima e entender, em cima dos elementos que já vimos, como ela funciona.
A cena da lanchonete de Um Dia de Fúria, de Joel Schumacher (diretor de Batman e Robin, acredite se quiser).
Assistam ela abaixo (não é preciso entender inglês, para participar da análise, basta ver a parte imagética).

Vamos a análise:
1) A cena começa com uma grua que enquadra o personagem de Michael Douglas numa posição Zenital (“os olhos de Deus”) sobre um grafitte de sanduíche. É claro que, a paradinha do personagem não foi a toa. Tal artifício não só permite uma antecipação sobre o que vai acontecer (ele vai para uma lanchonete – logo confirmado pelo plano geral em que o movimento da grua se transforma), como também faz uma brincadeira – pois ao pisar no desenho do Picles, ele olha para a sola de seu próprio sapato.
2) Dentro da lanchonete, logo nos chama a atenção a decoração vermelha e amarela. Será que isso nos remete a alguma rede de fast food?
3) O plano e o contraplano de Michael Douglas e da atendente começam bem abertos em um meio primeiro plano / plano a altura da cintura.
4) Porém, conforme a situação progride rapidamente (afinal, a garota logo de cara se apresenta como um obstáculo, ao impedir que Michael Douglas possa comprar seu café da manhã) – somos apresentados a um fechamento gradual do plano (até que se torne um primeiro plano). E o mais legal: isso é feito em um pêndulo – a câmera se aproxima da garota, e logo depois, de Douglas. Isso nos cria tanto uma sensação leve de claustrofobia (aumentando nossa irritação) quanto uma certa “repugnância” por precisar nos aproximar de uma criatura tão “nojentinha” quanto a atendente.
5) A situação piora – a atendente chama o gerente. Perceba como ele sai de um plano um pouco mais aberto e se aproxima da câmera. Nesse movimento, ele se aproxima de nós – espectadores. Que já estamos cada vez mais criando repulsa daquele ambiente. E repare no sorriso falso do personagem (e aqui, palmas para o casting por ter colocado alguém com um buraco entre os dentes da frente) – isso tudo nos ajuda a piorar a sensação de estar naquele lugar.
6) Repare como o Hambúrguer sorridente começa a se tornar um item cada vez mais irônico em cena. Como se ele estivesse rindo de nossa cara…
7) No momento em que Michael Douglas fala do chefe (e como ele é um capacho perto dele), vemos essa cena mais aberta e em um Over The Shoulder da atendente – diminuindo ao máximo o tamanho de Douglas no quadro e fragilizando sua figura (além de criar um obstáculo a sua frente – o balcão de atendimento).
8) Entretanto, quando o gerente repete que pararam de servir o café da manhã, voltamos para um Over The Shoulder de Douglas – o que nos ajuda a nos posicionar “na frente” do balcão e experimentar essa situação ao lado dele. Isso humaniza o personagem e nos ajuda a sentir o que ele está sentindo.
9) No momento em que vemos o personagem pegar a arma  vemos ele andar pela lanchonete através de um contraplongeé (ângulo de baixo para cima, e a bem da verdade, um recurso utilizado em quase toda a cena) que torna o personagem maior e mais aterrorizante.
10) Já os clientes são filmados em Plongeé. Ajudando a mostrar a fragilidade e falta de ação dos mesmos.
11) Mas o Plongeé praticamente não é utilizado (ou é, de forma muito suave) para o atendente e pro gerente. Afinal, não é intenção do diretor que tenhamos pena deles.
12) O Ponto de Vista do personagem de Douglas percorrendo a lanchonete é mostrado num Plano Holandês (Inclinado) – ajudando a deixar claro a visão “torta” do personagem sobre o mundo. Lembrando que aqui, ele está armado e acabou de explodir de raiva.
13) Reparem que no momento em que ele reclama da comida, a câmera se posiciona de forma a mostrar a parede contrária da lanchonete – toda vermelha. A ira do personagem não podia estar mais representada graficamente.
14) Pra finalizar, um contraplano entre um close de Douglas e um plano bem geral dos clientes da lanchonete. Uma contraposição entre Douglas, dominando a cena – e o quadro – e os clientes assustados, todos muito pequenos.

Viram como é possível compreender o funcionamento de uma cena através do olhar cuidadoso de seus elementos separados? Isso porque só falamos de ângulos, tamanhos de plano e cores. Mas imagina quando começarmos a conversar sobre fotografia, som e montagem?
Falaremos desses elementos a partir de semana que vem. Enquanto isso, passem a prestar atenção a esses elementos discutidos hoje quando forem ver um filme.
Até a próxima pessoal!

Pedro Lauria

Em 2050 será conhecido como o maior roteirista e diretor de todos os tempos. Por enquanto, é só um jovem com o objetivo de ganhar o Oscar, a Palma de Ouro e o MTV Movie Awards pelo mesmo filme.
NAN