Cinema ao Pé da Letra – Parte 21: Luz de Cinema não é Luz de Novela

Pedro Lauria

Olááááá, enfermeira!

Hoje vamos dar um novo passo nas discussões de linguagem cinematográfica. Vamos largar um pouco a câmera e falar sobre outro aspecto essencial do cinema: a luz.

A iluminação é sempre decidida por duas pessoas: o diretor (que olhará os aspectos estéticos e, principalmente, narrativos da luz) e o diretor de fotografia (que ficará responsável pelos aspectos técnicos de como atingir aquela luz que o diretor quer). Pra se ter ideia, a luz se configura em uma área tão importante dentro do cinema que ela é responsável pelo motivo da sétima arte ser filmada com apenas uma câmera. Sim, por mais que uma produção seja caríssima (e com exceção de cenas de explosão ou cenas que só podem ser repetidas poucas vezes) ela só usará uma câmera por vez.

Essa “restrição” tem um motivo muito óbvio: é praticamente impossível que o diretor de fotografia arme um set de luz que funcione para duas câmeras em posições diferentes. Afinal, pense comigo:

Eu poderia ter duas câmeras (uma atrás do homem negro e outra atrás do fake jesus) filmando essa cena simultaneamente, certo? Agora, olhe a luz. No primeiro plano, temos uma luz muito mas fraca incidindo sobre o homem negro e uma luz muito forte nas costas do "fake jesus". Dá pra imaginar que os refletores estão posicionados atrás do homem cabeludo, correto? Agora na segunda imagem, não temos esses refletores nas costas do hippie - pelo contrário - a luz está atrás do policial, iluminando totalmente a frente de nossa amigo que não corta o cabelo. Essa configuração de luz seria impossível de ser feitas com duas câmeras simultâneas.

Eu poderia ter duas câmeras (uma atrás do homem negro e outra atrás do fake jesus) filmando essa cena simultaneamente, certo? Agora, olhe a luz. No primeiro plano, temos uma luz muito mais fraca incidindo sobre o homem negro e uma luz muito forte nas costas do “fake jesus”. Dá pra imaginar que os refletores estão posicionados atrás do homem cabeludo, correto?
Agora na segunda imagem, não temos esses refletores nas costas do hippie – pelo contrário – a luz está atrás do policial, iluminando totalmente a frente de nossa amigo que não corta o cabelo. Essa configuração de luz seria impossível de ser feitas com duas câmeras simultâneas.

Porém, existe um produto audiovisual que é filmado com três ou mais câmeras ao mesmo tempo: a novela. Por haver necessidade de filmá-la em ritmo industrial (afinal, é preciso entregar um capítulo de 40-50 minutos, todos os dias) – não há como ter esse esmero estético/narrativo de poder pensar em uma luz para cada plano. Por isso, utiliza se o artifício da luz chapada: ilumina-se tudo, sem criar sombras, e tudo ok: todas as câmeras pegarão tudo iluminado.

Percebam como é "impossível" criar sombras com a iluminação de novela.

Percebam como é “impossível” criar sombras com a iluminação de novela.

Mas não adianta nada desenhos preguiçosos no Paint sem o mais importante: exemplos de como isso funciona na prática.

Luz, luz, luz.... Suzana Viera fazendo uma atuação história de alguém pensando.

Luz, luz, luz…. e Suzana Viera fazendo uma atuação histórica de alguém pensando.


Luz, luz, luz!

Tudo iluminado!


Todos os personagens estão iluminados. Não há um desenho de luz e sombra, sequer.

Todos os personagens estão iluminados. Não há um desenho de luz e sombra sequer.

Agora vamos comparar com o cinema (serei desleal, já adianto).

A sombra da persiana não traz somente uma beleza estética, como também cria uma atmosfera de prisão.

A sombra da persiana não traz somente uma beleza estética, como também cria uma atmosfera de prisão.

A silhueta de Nosferatu ficou marcado na história do cinema - um trabalho de sombras.

A sombra em parte do rosto de Don Vito, não só cria uma dualidade moral, como a falta de iluminação na parte de traz do cenário, cria um ambiente "claustrofóbico" e separado do resto do mundo. Ideal para uma sala de reuniões da máfia.

A sombra em parte do rosto de Don Vito, não só cria uma dualidade moral, como a falta de iluminação na parte de traz do cenário, cria um ambiente “claustrofóbico” e separado do resto do mundo. Ideal para uma sala de reuniões da máfia.

Mas é claro que nem sempre o cinema é sinônimo de cuidado com a luz. Por isso, é normal ver em filmes “caça níqueis”, com diretores e atores que só estão lá pra pagar o aluguel, iluminações como essa:

E daí vem a tristeza quando esse tipo de filme acaba por serem sucesso de público. Obras preguiçosas sem nenhum cuidado com a iluminação e com outros aspectos da linguagem.

E daí vem a tristeza quando esse tipo de filme acaba por ser sucesso de público. Obras preguiçosas sem nenhum cuidado com a iluminação e com outros aspectos da linguagem.


Sério... vai dizer que essa cena não poderia ter saído de uma novela?

Sério… vai dizer que essa cena não poderia ter saído de uma novela?

Nos próximos filmes, passem a reparar na iluminação de cena. Pergunte-se se o plano é esteticamente bonito, se ele é preguiçoso e se ele significa algo para a narrativa. Dica: As sombras nunca estão lá a toa.

E até a próxima coluna pessoal!

Pedro Lauria

Em 2050 será conhecido como o maior roteirista e diretor de todos os tempos. Por enquanto, é só um jovem com o objetivo de ganhar o Oscar, a Palma de Ouro e o MTV Movie Awards pelo mesmo filme.
NAN