Cinema ao Pé da Letra – Parte 5: Digerindo a Diegese
Pedro Lauria
Durante a semana fomos sabotados por Iluminattis. Mas tudo bem… Em breve eu voltarei com o Capítulo 4 que ficou fora do ar. De qualquer forma, vamos fazer uma rápida revisão do assunto da última coluna.
Rápida Revisão do Assunto da Última Coluna
No capítulo 4 nós vimos que uma das grandes especificidades do cinema é trabalhar com três tipos diferentes de signo:
– O Signo Icônico. Ex. A imagem
– O Signo Indicial. Ex. O Som
– O Signo Simbólico. Ex. As palavras
Desses três tipos de signo apenas o Simbólico é usadona escritura de um livro ou roteiro. Por esse motivo, o papel do diretor de cinema, é de adaptar signos simbólicos (palavras) para contar aquela história usando três tipos de signo.
Além disso, o Signo Simbólico tem uma gramática própria (por exemplo, só existem poucas palavras pra definir GATO: Gato, Cat, Kat…), algo que não acontece com o Signo Icônico (você pode filmar 500 gatos diferentes, e a ideia de que aquilo é um gato ainda será passada).
Ou seja – o Signo Icônico não tem uma gramática, e por isso não obedece a um paradigma – ele é livre. E isso é outra peculiaridade do cinema: não ter uma gramática própria.
Se eu pedir para 100 escritores me descreverem uma sala escura com duas palavras, todos escreveriam: Sala Escura.
Agora, se for pedido para 100 diretores diferentes descreverem uma sala escura em um plano de 5 segundos, teriámos 100 planos completamente diferentes.
Voltando para o Presente
Que raios é a diegese?
Para entender diegese, primeiro vamos definir Arte. Uma definição muito simples: Arte é a representação de um elemento pelo artista.
A palavra chave aqui é representação. Mesmo que o elemento retratado pelo artista seja espelhado na realidade, ele nunca vai ser “real”. Será uma representação com características próprias.
Para entender melhor, imaginemos que o artista seja um espécie de Deus (o que não deixa de ser verdade), e que cada obra de arte que ele faz invoca um universo. Dessa forma, um Gibi do Batman, por exemplo, vai trazer Gotham, a Mansão Wayne, a Bat-Caverna, o Asilo Arkham… E esse universo vai ter regras próprias: a existência de um vigilante noturno vestido de morcego, o batcarro, vilões com poderes especiais, etc.
Esse conjunto que contempla o universo e suas regras, são a Diegese.
É por aceitarmos o conceito da diegese inconscientemente, é que, podemos fazer uma sessão dupla de cinema e assistir Star Wars, seguido de Cidade de Deus, e compreender cada um dos universos e suas regras próprias. Ou seja: ninguém vai esperar ver ETs em Cidade de Deus, ou assistir uma criança sendo executada em Star Wars.
A diegese pode ser quebrada.
Compreendendo que quando assistimos a um filme, entramos em um Estado de Imersão, fica muito fácil entender a quebra da diegese: ela se dá quando “lembramos que estamos assistindo a um filme”. Isso acontece quando vemos um elemento que vai de encontro ao universo diegético da obra. Isso pode se dar de duas maneiras:
1) Acidental
Basicamente a sessão de “Goofs” ou “Erros” do iMDB. Problemas de continuidade, pessoas da equipe sendo gravadas, reflexo da câmera aparecendo no espelho, “boom vazando”… Pequenas falhas que lembram que estamos vendo um filme.
2) Proposital
O diretor pode optar por quebrar a diegese, sem que isso consista em um erro. Vejamos alguns exemplos:
– Quando a quarta parede (aquilo que separa o espectador do filme) é quebrada. Em Curtindo a Vida Adoidada, por exemplo, a todo momento Ferris Bueller olha pra câmera ou fala com o espectador.
– Em Banzé no Oeste, um filme de faroeste, temos um emblemático final onde os cowboys revelam que não estavam no Velho Oeste, mas em um Estúdio de Cinema.
– Quando algo que não esperamos fazer parte do universo (da Diegese) do filme acontece. Em Magnólia – a chuva de sapos é diegética, pois é anunciada desde o começo do filme, porém, o momento em que um morto começa a cantar é uma quebra da diegese. Se um morto cantasse em A Família Adams, entretanto, aceitaríamos de bom grado – pois é algo lógico na diegese proposta pelo filme.
– Interferências óticas que nos lembrem que estamos vendo por trás de uma câmera. O efeito de flare (adorado por J.J. Abrahms), ou a lama caindo na lente (“O Resgate do Soldado Ryan”) representavam quebras de diegese antigamente, pois evidenciavam a existência de uma câmera gravando tudo. Porém hoje o espectador já está acostumado com esse efeito, e não sai mais do filme (ou seja, do universo diegético do filme) por conta disso. Um exemplo clássico de evolução da linguagem cinematográfica.
Pronto.
Agora vou dar tempo para vocês digerirem tudo. Até semana que vem!