Cinema ao Pé da Letra – Parte 6: O Estado de Imersão ou “A Diabólica Arquitetura do Cinema” ou “A Maior Arma Política já Feita”

Pedro Lauria

Na última coluna falamos sobre a Diegese.

Rápida Lembrança

É a dimensão ficcional de uma narrativa. É o mundo (e suas regras) em que a história se passa.

Fim da Rápida Lembrança (eu falei que era rápida)

Hoje, vamos falar sobre um fenômeno essencial para a existência da Diegese e, consequentemente, do Cinema: o Estado de Imersão.

Sabe quando éramos crianças  e ficávamos impressionados ao assistir um filme de terror? E não adiantava nossos pais explicarem trocentas vezes que aquilo era apenas um filme, que o sangue era ketchup e que os atores não tinha morrido de verdade pois já tinham contratos assinados para uma prequência? E não adiantava: continuávamos com medo dos monstros e ficávamos traumatizados com as mortes horríveis.

Imagina se os atores morressem de verdade nos filmes... Tadinho do Sean Bean e de suas 20 ressurreições.

Imagina se os atores morressem de verdade nos filmes… Tadinho do Sean Bean e de suas 20 ressurreições.

E não adianta dizer que isso é coisa de criança. Quantas mulheres não choraram todas as dez vezes que viram Titanic (na mesma semana)? E quantos homens não saíram com vontade de ser um agente secreto depois de assistir 007? Isso tudo é causado pelo Estado de Imersão.

Peguemos uma da cenas mais tensas de um filme clássico: a perseguição das duas crianças pelos Velociraptors em Jurassic Park.

Como explicar ficarmos tensos naquela cena se:

1) Sabemos que os dinossauros são robôs/efeitos especiais;

2) Mesmo se não fossem, sabemos que os dinossauros não existem nos dias de hoje;

3) Os garotos são atores e sabemos que estão vivos após a projeção;

4) Sabemos que tem uma câmera gravando aquela cena, e não pensamos em que está recordando o ataque…

5) Podemos estar assistindo a obra pela décima quinta vez e saber que nada de ruim acontecerá com as crianças?

Isso tudo se dá pelo Estado de Imersão – o estado de semi-transe que o cinema causa ao espectador. O mundinho, diegético, que passamos a vivenciar quando assistimos um filme.

Isso nos traz a uma outra discussão: o por que de assistir a um filme no cinema ser uma experiência muito mais “visceral” do que vê-lo em casa. Isso não se dá somente pelo som e pela imagem de alta qualidade. Nem mesmo pelas constantes interrupções (telefonemas, cachorro latindo, pausa pra pipoquinha) que temos em casa. Parte da causa é a própria arquitetura do cinema.

A sala de cinema é planejada para te manipular.

A sala de cinema é planejada para te manipular.

Isso mesmo: a Arquitetura do Cinema. Sabe como nos mercados as balas, doces e sorvetes sempre ficam perto do caixa para que compremos enquanto esperamos na fila? O cinema também foi pensado de forma ardilosa para maximizar seu impacto em nós. São alguns dos instrumentos:

1. A total escuridão da sala faz com que foquemos todas as nossas atenções na tela.

2. O tamanho da tela faz com que nos sentimos pequenos (nos colocando em um estado de inferioridade), além de ocupar quase todo nosso campo de visão (capturando nossa atenção).

3. Os sons vindo de todos os lados, inclusive de trás, ajuda a nos deixar “inseguros”, “expostos”.

4. O ar condicionado frio, ajuda a “lesar” alguns de nossos sentidos, causando um sentimento de quase  letargia

5. O projetor posicionado atrás do espectador e liberando as imagens pelas suas costas aumenta ainda mais nossa “insegurança”.

Sim, insegurança. O cinema é feito para nos deixarmos sutilmente inseguros, inferiores e expostos, de forma a facilitar a nossa imersão.

E lembra quando eu falei em semi-transe? Então. Quer arma política mais poderosa que essa? Salas com arquiteturas feitas para deixarem seus espectadores expostos a imagens eram a solução perfeita para os políticos e regimes ditatoriais enfiarem suas mensagens na cabeça de seu povo.

Não se enganem: se hoje devemos aos soviéticos muitos dos avanços na linguagem cinematográfica e (principalmente) na montagem, isso se deve ao grande investimento que o governo socialista investia na sétima arte. Também a isso se deve o conteúdo extremamente ufanista de obras alemães e americanas do período da 2a Guerra Mundial como o clássico Olympia ou o Oscarizado “Os Melhores Anos de Nossa Vida“. O cinema é uma excelente arma política.

Poder submeter o cidadão (espectador) a mensagens audiovisuais (lembrando que nós somos seres que tem como sentidos mais apurados a visão e a audição) é o sonho de qualquer governo ou de qualquer pessoa que queira espalhar sua doutrina. E tudo isso se deve ao Estado de Imersão.

Ou seja: tudo isso se deve ao fato de você ainda chorar com a morte da mãe do Bambi – mesmo que se trate de um desenho feito a mais de meio século.

Sim. O ser humano é ridículo.

Durma com essa… E até semana que vem!

Pedro Lauria

Em 2050 será conhecido como o maior roteirista e diretor de todos os tempos. Por enquanto, é só um jovem com o objetivo de ganhar o Oscar, a Palma de Ouro e o MTV Movie Awards pelo mesmo filme.
NAN