Cinema ao Pé da Letra – Parte 8: A Razão de Aspecto (Ou “Aquelas malditas faixas pretas na TV”)
Pedro Lauria
Depois do breve hiato do Dia das Mães, o Cinema ao Pé da Letra volta com tudo: acabou a introdução. A partir de agora, todas as colunas abordarão de fato, elementos das Linguagem Cinematográfica. Elemento por elemento.
Agora, como escolher o primeiro assunto a ser abordado?
A solução é óbvia. Vamos começar pelo começo: antes de compreender o que existe na tela de cinema, que tal entender a tela de cinema? Ou melhor: aquilo que define seu formato (e consequentemente, aquilo que se passará dentro da tela) – A Razão de Aspecto.
Mas o que é Razão de Aspecto?
SUMMON WIKIPEDIA
Razão de Aspecto (ou “Proporção de Tela” ou “Aspect Ratio”) é a relação matemática entre as suas duas dimensões de uma imagem dimensional, obtida pela divisão entre a largura e a altura.
ATÉ A PRÓXIMA WIKI!
Ou seja – a Razão de Aspecto não é algo único do cinema. A fotografia, a pintura e as histórias sequências (ou HQs) são outras formas de arte que também se passam dentro de quadros, e que podem variar de razões de aspecto. O que diferencia o cinema de todas elas, por sua vez, é que 1) O que se passa dentro do quadro do cinema se move e 2) O próprio quadro do cinema se move.
Mas isso não importa agora.
Vamos ver a Razão de Aspecto em funcionamento:
Existem diversas razões de aspecto, sendo as mais utilizadas:
1,33:1 = 4:3 – Standart
1,66: 1 – Padrão do Cinema Europeu
1,77:1 = 16:9 – Formato das HDTVs
1,85:1 – Padrão do Cinema Americano
2,35:1 – Scope
Um pouco de história…
No começo do cinema a Razão de Aspecto comum era 1.33:1. Por este motivo, os filmes antigos sempre se passam em telas muito quadradas (pensem nas obras de Chaplin). Porém, com o surgimento e popularização da TV, e sua tela igualmente quadrada, o Cinema começou a precisar a criar atrativos para trazer o espectador para o cinema. E uma de suas adaptações foi justamente o aumento da proporção.
Foi a partir daí que razões como a 1.85:1, que se tornaria o padrão Norte Americano, vieram. Mas o aumento da razão não é uma medida somente técnica – ao alargar o quadro, a linguagem cinematográfica também começou a se alterar. Por exemplo – com o desenvolvimento do Cinemascope (razão 2.35:1), filmes de escala épica começaram a ser rodados nessa proporção, pois esta permitia transmitir uma ideia de grandiosidade para o espectador. Podendo mostrar uma parte maior do cenário (também se utilizando de grandes planos abertos) era possível mostrar o quão pequeno é o personagem frente ao mundo em que ele está e também, aos eventos por quais ele passa. Um exemplo clássico é o filme Lawrence da Arábia.
Agora vamos comparar com uma cena de E o Vento Levou… , um épico que com certeza seria filmado em 2.35:1 – caso existisse a tecnologia na época. Entretanto, Victor Fleming (o diretor), restrito as limitações da razão 4:3, precisou se virar com os enquadramentos abertos. Vejamos a cena clássica do filme:

Repare como a imagem, por ser mais quadrada do que retangular, traz um destaque para o céu (justamente pela proporção entre altura e largura ser menor).
Nela, claramente Fleming tentou mostrar a desolação da fazenda de Scarlet. Porém, ao recuar a câmera para pegar mais cenário, ele obrigatoriamente também passou a filmar mais o céu – de forma que este se destaca na cena. Para evitar recuar mais ainda a câmera, Fleming optou por mostrar uma árvore sem folhas e uma cerca quebrada – símbolos suficientes para demonstrar sua situação financeira e emocional.
A Linguagem Hoje
Atualmente, os problemas enfrentados por Fleming não existem mais. Dessa forma a Razões de Aspecto é escolhida na pré-produção de um filme, pelo diretor e seu diretor de fotografia, de acordo com a necessidade narrativa/estética do filme. Obras mais intimistas ou mais claustrofóbicas são geralmente rodados em razões menores, enquanto obras passadas em grandes mundos (como Avatar) são rodados em razões maiores. Não é a toa, por exemplo, que o padrão europeu é menor do que o padrão americano, visto que as obras do velho continente são vistas como intimistas em comparação aos americanos.
Existem ainda filmes que se utilizam de múltiplas razões de aspecto. Um exemplo atual, é o do filme Oz – Mágico e Poderoso. Para mostrar magnitude de Oz, frente a Kansas, Sam Raimi começa a obra com uma razão de aspecto de 1.33:1, que se expande (em uma bonita cena) no momento em que o protagonista chega a Oz. Algo parecido acontece na animação O Irmão Urso, no momento em que o personagem principal vira um Urso, e muita sua percepção frente ao ambiente em seu entorno.
A Transição para TV
Antes de finalizar não posso deixar de tocar no assunto: um problema comum que se manteve durante muito tempo, foi a transição do cinema (em razões alargadas, granes) para a TV (quadradona antiga, 4:3). A consequência é que os filmes ficavam “espremidos” na TV, com duas grandes tarjas pretas grandes em cima e embaixo. Isso se dava para respeitar a razão de aspecto do filme original.
Entretanto, como as pessoas reclamavam que “pagavam por uma TV pra ficar vendo dois traços pretos”, os filmes começaram a passar na TV mutilados (com as laterais cortadas) para que usasse todo a tela da TV. Pior ainda: alguns DVDs começaram a ser lançados mutilados. Para se ter ideia do que isso significa, veja a imagem abaixo.

O filme é rodado em 2.35:1. Porém, no momento em que vai para a TV, o pessoal encarregado pelo DVD faz uma “mágica” e transforma o filme em 1:33.1. E olha o quanto de filme você perde…
Agora imagine que na cena acima, o personagem que fica no canto esquerdo da tela – cortado na razão 1:33.1 – faça algo vital para a trama. Sabe o que vai acontecer? Você não vai ver. E depois vai dizer que o filme não tem lógica.
Então por isso, da próxima vez que o filme aparecer na TV com Tarjas Pretas (algo que com a popularização de TVs widescreen vem diminuindo) – não seja um pequeno boçal e reclame que você está perdendo imagem de TV, e agradeça que você está vendo o filme completo, tal como foi pensado pelo diretor.
Agora… imagina quantas pessoas vão entrar nessa coluna pelo google procurando “Tarjas Pretas” ?