Coletiva | Trinta

Antonio de Medeiros

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3 de outubro de 2014

Realizada no Armazém da Utopia no Cais do Porto do Rio, a coletiva de imprensa do filme Trinta contou com as presenças do diretor Paulo Machline, dos atores Matheus Nachtergaele (Joãosinho Trinta), Paulo Tiefenthaler (Pamplona), Mariana Nunes (Isabel) e dos produtores (Joana Mariani e Matias Mariani). A estreia do filme aconteceu na quarta passada no Theatro Municipal, local de destaque no roteiro do filme e na vida de Joãosinho Trinta, falecido em dezembro de 2011.

Olhos miúdos, de estatura pequena, magro, cabelos lisos e pretos encimando uma testa larga, uma camisa preta relativamente transparente, calça jeans e um par de sapatênis gris. A figura frágil de Matheus Nachtergaele não deixa transparecer muito, tal como sua camisa, da sua personalidade. Mas é nos momentos em que conta uma história engraçada e gargalha alto, que podemos começar a desvendar um pouco mais desse grande ator; que quando ri, parece um menino pego em flagrante lambendo escondido a colher do doce. Sua simplicidade e simpatia foram uma marca constante durante toda a coletiva.

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Matheus contou como foi seu processo de criação do personagem e seu entendimento dele:

“Eu nunca imaginei fazer uma cópia do João. Eu trabalhei com algumas características pessoais dele, como um certo espanto no olhar, uma obsessão, uma inquietação. Esse olhar foi importante, além do material de arquivo.”

Foram poucas as vezes em que Matheus se encontrou pessoalmente com Trinta, porém nesses encontros, principalmente no último em que pode conversar com ele durante umas 3 horas, Matheus buscou extrair e conhecer ao máximo a pessoa que iria interpretar. Ter o aval de Joãosinho Trinta para interpretá-lo no cinema foi um alívio e ao mesmo tempo um grande incentivo para que Matheus se aprofundasse em sua pesquisa sobre Trinta. “Eu me apeguei a história dele, que apesar de ser um cara de 1,50m, conseguiu fazer parte do corpo oficial de bailarinos do Theatro Municipal naquela época, o que revela uma grande disciplina, rigor, obsessão pela técnica e amor pelo palco.” Matheus conta também do trabalho físico necessário para compor o personagem:

“Eu fiz aula de balé durante 4 meses, ao 44 anos isso é bem duro!” – confessou rindo, “mas me ajudou na postura, no jeito de andar. Outra coisa que me marcou foi a solidão dele. Ele é sozinho, veio do Maranhão, gay, nordestino, incompreendido pela família e pelos integrantes do barracão.”

Foto: Antonio de Medeiros / Blah Cultural

Foto: Antonio de Medeiros / Blah Cultural

Paulo Machline optou por fazer um recorte da vida de Trinta, do início da carreira frustrada como bailarino até a vitória em seu primeiro desfile como carnavalesco no Salgueiro, mesclando personagens reais com fictícios:

“A história que eu queria contar de João é a frustração que ele teve que passar para se tornar quem ele foi, como um super-herói, eu queria apresentar a jornada dele. Não foi uma escolha fácil. Contar o carnaval de 1989 é tentador, mas essa imagem de Joãosinho já estava consagrada”- o diretor se refere ao famoso episódio do Carnaval carioca quando pela Beija-Flor no enredo “Ratos e Urubus, Larguem a Minha Fantasia” Trinta teve que cobrir a escultura de Cristo com um saco plástico por causa da censura da Igreja Católica- “em vez disso, me interessavam mais as dificuldades, o antes, a construção da persona dele.” As frustrações no início da carreira, o preconceito que enfrentou. De acordo com o diretor do filme, as dificuldades por causa do seu tipo físico e as constantes rejeições ajudam a explicar o temperamento único e sua constante busca por reconhecimento, em querer ser visto e aplaudido.

Outro aspecto destacado na coletiva foi a relação do carnavalesco com o erudito e o popular. Joãozinho era um homem bastante culto, desde rapaz frequentava óperas, sabia trechos de Shakespeare de cor e ao trabalhar num barracão de escola de samba, conseguiu unir o erudito com o popular. Para Trinta o desfile se comparava com uma ópera em diversos aspectos:

“O desfile de carnaval tem exatamente a estrutura de uma ópera erudita. A ópera tem o libreto, a escola de samba tem o enredo. A ópera tem uma orquestra; a escola tem a bateria. A ópera tem bailarinos que dançam, e não cantam. No desfile tem os passistas, na ópera o corpo de baile. Os carros alegóricos servem de cenografia e as alas são o coro e os destaques são os personagens principais da ópera.” Esta rica analogia simboliza a referida junção entre erudito e popular, uma das marcas principais de Trinta.

Paulo Tiefenthaler falou do seu trabalho como Fernando Pamplona e da importante e conflituosa relação entre o seu personagem e Joãosinho Trinta:

“Entrar na pele do Fernando Pamplona, sem imitá-lo, o que seria fácil já que ele era um cara bonachão, foi a nossa escolha. Pamplona é uma figura do Carnaval do Rio que formou além de Joãosinho, Max Nunes, Rosa Magalhães, entre outros. O João é a estrela desse grupo.” Um dos principais assuntos da coletiva foi também a relação entre João e Pamplona e como essa troca foi enriquecedora para João, apesar da briga entre os dois quando João assumiu o Salgueiro, devido a saída de Pamplona.

Mariana Nunes também explicou como se deu a criação de sua personagem: “Eu tive liberdade para criar esse personagem, mix de Isabel Valença e Pinat. É um personagem que representa bem a comunidade do Salgueiro. A Isabel tem a dúvida entre ajudar o carnaval de Joãosinho ou ficar do lado de Pamplona. Pra mim foi muito impactante ver a cena dela ao aceitar desfilar para Trinta, quando as portas se abrem e Isabel adentra no barracão vestida de Rainha”.

Matheus confessou que foi uma delícia tanto mostrar o lado doce e carinhoso do carnavalesco quanto o lado bravo e histérico nos momentos de pressão, como a divertida cena do chilique de Trinta:

“É engraçado como todo a arte grande explode quando há pressão. Eu vi no arquivo que João era bravo, tem muita solidão no comando, mas a impressão que eu tive durante o filme é que ele era um homem doce, que estava falando alto porque precisava ser ouvido, se pudesse falaria baixo, mas levanta a voz porque era necessário. Tenta ser educado até o limite, mas precisou gritar. Foi uma delícia fazer essa doçura, mas gritar e mostrar esse lado irritadiço foi incrível!” Matheus conta uma curiosidade dos bastidores, numa cena em que João se revolta devido a pressão e o aparecimento de diversos problemas que surgem no barracão. Matheus contou que durante essa explosão do Joãosinho, ele empurrou muito forte uma das figurantes, lançando-a para fora de quadro. Essa mesma cena teve que ser repetida outras vezes e para a surpresa de Matheus a figurante o cutucou quando ele se esqueceu de empurrá-la em uma das tomadas, e Matheus teve que empurrá-la de novo.

A coletiva revelou-se uma homenagem a essa figura ímpar da cultura brasileira. Sendo assim, ver o filme será também uma oportunidade do público de adentrar nos bastidores do Carnaval e conhecer o backstage de um barracão. Se o povo gosta realmente de luxo, como dizia Joãosinho, ele terá a chance de apreciar essa luxuosa e comovente história nos cinemas a partir de 13 de novembro, quando o filme estreia no circuito comercial.

Antonio de Medeiros

Antonio de Medeiros apenas digita os textos entregues pela própria Patty, ou por seu sobrinho Fernandinho, em papeizinhos escritos à mão (cartõezinhos amarelados de fichamento) ou datilografados, às vezes manchados de café ou quase sempre de whiskey. Ela me fez prometer que eu não modificaria nem uma única vírgula. De modo que não me responsabilizo por sua opinião e pitacos. (Antonio De Medeiros é formado em Turismo pela UniRio. Atualmente, é funcionário público. Passou pela CAL e pela Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Ama Cinema, Literatura e Teatro. Sonha em ser escritor. Enquanto escreve peças e um romance, colabora para o site "Blah Cultural")
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