CRÍTICA #2 | ‘Mãe Só Há Uma’ levanta reflexões sobre a família e cutuca os valores tradicionais

Bianca Moreira

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21 de julho de 2016

Mãe Só Há Uma, último filme lançado pela diretora Anna Muylaert, parte de uma diretriz conflituosa carregada de carga emocional capaz de nos transmitir a ideia de que a experiência em família pode ser, muitas vezes, intraduzível e que dificilmente conseguimos racionalizá-la. E como já poderíamos esperar, cutuca uma série de convenções sociais através de um personagem que se reinventa e que possui uma identidade de gênero em trânsito.

CRÍTICA #1 | ‘Mãe Só Há Uma’ é um drama, mas faz rir e é repleto de ternura

Inspirado no famoso “Caso de Pedrinho”, a história real de um menino sequestrado em uma maternidade de Brasília e que foi encontrado por seus pais biológicos depois de anos vivendo com uma outra família em Goiânia, o filme extrapola e atualiza essa história ainda tão presente no imaginário popular brasileiro.

Pierre, personagem do ator estreante Naomi Nero, é um adolescente de classe média baixa que vai para a escola todos os dias, que dorme nas aulas por conta do sono perdido nas festas que frequenta na madrugada, que pinta as unhas, que usa rímel, que toca em uma banda de rock na garagem com amigos, que beija homens e mulheres e que, de uma hora para outra, encontra sua vida de cabeça para baixo.

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Após uma denúncia anônima, Pierre passa a ser fotografado nas ruas pela polícia e é obrigado a se submeter a um exame de DNA com Aracy, sua mãe de criação. Com a prisão da mesma, ele descobre que foi roubado na maternidade e que sua família biológica o procura a dezessete anos.

Com um enredo aparentemente simples e conhecido, Anna Muylaert alcança sua maestria por despistar empatia. Diferentemente das grandes mídias que repercutiram o “Caso de Pedrinho”, a diretora deixou o ponto de vista da dor dos pais que perderam seu filho de forma injusta, para se debruçar sobre outra perspectiva: a da pessoa que foi rouba de sua realidade duas vezes.

Pierre foi sequestrado de sua família biológica, teve uma infância e adolescência completamente diferente da que teria com sua família de sangue, tornou-se quem é pela educação que teve e pelas pessoas que conheceu, criou laços de amor e afeto, para depois ser novamente “roubado” por sua própria família biológica.

Nesse ponto, Muylaert denuncia um mundo caduco, uma sociedade que clama por vingança disfarçada de justiça. Pierre paga por um crime com sua própria vida – já que foi tirada do eixo por duas vezes, entra em angustia e em uma certa crise existencial para sanar a de seus país biológicos, lhe é cobrado amor e atenção de pessoas que ele nem se quer conhece e é repreendido por possuir sentimentos por aquela que até outro dia ele chamava de mãe.

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A grande questão que o filme nos desperta é: até que ponto a lei pode resolver com sua frieza, lógica e senso de “justiça” questões que transcendem a demanda criminal, questões complexas que envolvem laços familiares e sentimentos?

É dentro da casa de classe média alta que o personagem Pierre bate de frente com valores da família tradicional brasileira. Glória e Matheus, seus progenitores, não aceitam o fato de seu filho usar roupas destinadas ao gênero feminino, o que causa um grande conflito.

Mãe Só Há Uma é um filme de excelência em todos os aspectos. Conta com uma fotografia belíssima – foi inteiramente gravado com a câmera na mão o que dá ao espectador um ar de realidade. Possui um elenco de altíssima qualidade, Naomi Nero foi uma grande revelação, mas os veteranos Daniela Nefussi e Matheus Nachtergaele também não deixaram a desejar. Nefussi interpreta a mãe biológica e a de criação de forma tão exemplar que mal conseguimos perceber que se trata da mesma atriz. E um enredo arrebatador e extremamente atual.

Anna Muylaert sabe como ninguém tocar o espectador por meio da construção de personagens que acompanham o nascimento dos tipos sociais de cada época. Pierre vive por uma vontade deliberada de provocação. Modela para si diariamente uma identidade inacabada, fluída, símbolo de parte dessa nova juventude que é viajante em seu próprio corpo, cuja forma e gênero mudam à sua vontade e que brinca com a ambiguidade de sua aparência.

TRAILER:

FICHA TÉCNICA:

Direção: Anna Muylaert

Elenco: Naomi Nero,Matheus Nachtergaele, Dani Nefussi

Gênero: drama

Duração: 82 minutos

Classificação: 16 anos

País: Brasil
Ano: 2016

Distribuição: Vitrine Filmes

Bianca Moreira

Estudante de jornalismo. Apaixonada por literatura,teatro, fotografia e especialmente pela sétima arte.
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