CRÍTICA #2 | ‘Pantera Negra’ prova que existe vida inteligente no universo dos blockbusters

Bruno Giacobbo

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10 de fevereiro de 2018

Quando assumiu o trono da Etiópia, aos 38 anos, em 1930, Haile Selassie acalentava o sonho de unir a África em torno de sua liderança. Evocando uma suposta origem nobre, ele acreditava ser herdeiro do Rei Salomão e da Rainha de Sabá, o imperador etíope se considerava o homem certo para comandar a luta contra o colonialismo europeu. Ainda que tardia, uma de suas principais iniciativas foi criar, em 1963, a Organização da Unidade Africana (OUA). No entanto, com o tempo, o monarca se mostrou tão falho e permissivo quanto qualquer governante africano ao longo do século passado. Selassie foi um déspota esclarecido que concentrou muito poder em suas mãos, colecionou desafetos e que, ao morrer, já deposto por um golpe militar, deixou como herança para as próximas gerações um dos países mais pobres do mundo. E aí vocês devem estar se perguntando: o que esta pequena aula de História tem a ver com a crítica cinematográfica de Pantera Negra (Black Panther), o novo longa-metragem da Marvel Studios? A resposta está nos próximos parágrafos.

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A aventura começa logo após os acontecimentos de “Capitão América: Guerra Civil” (2016). No entanto, antes da história engrenar, ela recua temporalmente para mostrar o jovem T’Chaka (John Kani), pai de T’Challa (Chadwick Boseman) e então rei de Wakanda, em ação como Pantera Negra. O ano é 1992 e tudo o que ocorre aqui, nestes poucos minutos de filme, de alguma forma, é importante para o desenrolar do restante do enredo. De volta ao presente, recém coroado e tendo que lhe dar com a morte paterna, T’Challa se depara com uma velha ameaça: o traficante internacional de armas Ulysses Klaue (Andy Serkis), que está foragido da justiça wakandiana há bastante tempo. A oportunidade única que surge de prendê-lo e trazê-lo para ser julgado no país, leva o monarca a perseguir o antigo inimigo no outro extremo do mundo, em Busan, na Coreia do Sul. Para realizar a missão com sucesso, ele conta a ajuda da general Okoye (Danai Gurira) e de Nakia (Lupita Nyong’o), integrantes da poderosa Dora Milaje, a guarda pretoriana responsável pela segurança da família real.

A diferença entre a Etiópia de Selassie e a Wakanda de T’Challa está entre o querer e o poder. Se o imperador etíope subiu ao trono com o propósito de fazer a diferença no seu continente; o rei wakandiano assumiu determinado a manter uma tradição de neutralidade externa. E aí a questão é que o querer de Selassie só seria viável com o poder de T’Challa. Como o personagem Pantera Negra surgiu em 1966 e a Marvel sempre foi uma editora com um pé fincado na realidade, a segregação sofrida pelos mutantes é uma referência clara a segregação racial, é possível acreditar que Wakanda seja uma imagem invertida da Etiópia. Um país desenvolvido, com tecnologia de ponta devido a sua abundante reserva de vibranium, mas sem pretensão alguma de se intrometer na vida de seus “irmãos continentais”.  E, assim, o fictício reino dos quadrinhos continuaria a agir se não fosse pelo surgimento de uma nova ameaça vivida pelo excelente Michael B. Jordan. A entrada em cena deste personagem leva T’Challa a se questionar: qual deve ser o nosso papel num mundo em transformação?

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Catapultado para este trabalho após o enorme sucesso de “Creed: Nascido Para Lutar” (2015), Ryan Coogler era o cara certo para esta empreitada. Em primeiro lugar, e esta é com certeza a razão menos importante, por ser negro. Havia um grande clamor para que um cineasta negro dirigisse um blockbuster estrelado majoritariamente por homens e mulheres negros (em toda a película, existem apenas três brancos com fala). E por mais que eu concorde com o ator Anthony Mackie quando este disse que obra alguma deveria ser obrigatoriamente realizada por um tipo específico de pessoa, assim como “Seabiscuit: Alma de Herói” (2003) não foi dirigido por um cavalo, se o escolhido fosse um branco, o filme chegaria às salas de cinema precedido por uma gigantesca e desnecessária polêmica. A segunda razão diz respeito a competência do diretor já comprovada no elogiado “Fruitvale Station: A Última Parada” (2013) e no supracitado longa-metragem de três anos atrás.

Em Pantera Negra, Coogler conseguiu fazer um filme capaz de agradar etíopes e wakandianos. Ele investe, simultaneamente, em cenas de batalhas bem coreografadas, destinadas ao público que todos os anos compra milhares de ingressos para assistir super-heróis em ação, e num conteúdo mais profundo para quem acredita que este subgênero não passa de entretenimento frugal e esquecível. Algumas das características mais visíveis do cineasta, entre elas a inserção de pelo menos um ótimo plano-sequência, casam perfeitamente com referências sutis à escravidão e com uma crítica pontual ao neocolonialismo travestido de globalização. Nada que chegue a transformar esta em uma obra panfletária, até porque isto seria quase impossível em uma produção concebida e gestada no ventre de Hollywood, mas suficientemente forte para mostrar que existe vida inteligente no universo dos blockbusters. Ah, não abandonem as salas antes de todas as luzes serem acesas. Há duas boas cenas pós-créditos e uma delas remete, diretamente, à “Vingadores: Guerra Infinita” (2018).

Desliguem os celulares e excelente diversão.

::: TRAILER

::: FOTOS

::: FICHA TÉCNICA

Título original: Black Panther
Direção: Ryan Coogler
Roteiro: Mark Bailey
Elenco: Chadwick Boseman, Michael B. Jordan, Lupita Nyong’o, Martin Freeman, Andy Serkis, Danai Gurira
Distribuição: Disney
Data de estreia: qui, 15/02/18
País: Estados Unidos
Gênero: ação
Ano de produção: 2017
Classificação: a definir

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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