CRÍTICA | ‘3 Faces’ é uma obra chocante e deliciosa

Bruno Giacobbo

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6 de novembro de 2018

O filme começa com um vídeo retangular. Logo fica claro que é uma daquelas filmagens feita com um celular moderno. Ali, no centro da imagem, suplicante, uma bela jovem pede ajuda. Sua vida não corre risco no sentido real da coisa e, sim, no metafórico. Tudo o que ela deseja é ser atriz. Estudiosa e inteligente, passou para a melhor escola de dramaturgia de Teerã, a capital do teocrático Irã. Só que a sua família e a do noivo são contra. No interior daquele país, que antes da Revolução Islâmica de 1979, sob o reinado do Xá Reza Pahlavi, possuía hábitos seculares, a mulher foi feita para casar e ter filhos. A garota ainda tentou: disse que só casava se pudesse ter a profissão escolhida, mas tudo falhou. Como último recurso, tentou falar com a famosa atriz Behnaz Jafari. Estrela da televisão, ela era a sua última esperança. Só que ela não a atendeu e a transmissão termina com um chocante suicídio.

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Corta a cena. Um carro em movimento. Uma mulher, com um celular em mãos, assiste ao vídeo em questão. Com seu cabelo pintado de vermelho, é Jafari em pessoa, carne e osso. Ela não atendeu as ligações, todavia, recebeu o “testamento” da jovem. O desespero estampa a sua face e incrédula pergunta se tudo aquilo é verdade. Entre o desespero e a incredulidade, por via das dúvidas, lamenta também não ter atendido ao chamado da desconhecida. Ao volante do veículo se encontra Jafar Panahi, um famoso cineasta local, considerado persona non grata pelo regime dos aiatolás. Eles conversam, conjecturam e especulam se aquilo não passa de uma brincadeira de mal gosto. Behnaz Jafari acredita que existe um corte no fim. Ele acha que não, a menos, claro, que este tenha sido feito por um editor de grande talento, o que, provavelmente, não há naquela região remota do país. Eles estão em busca de respostas.

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Ficção com cara e jeitão de documentário, 3 Faces (سه رخ) engana os espectadores por algum tempo. É bem convincente em seu propósito, deixando todos de boca aberta e com a respiração ofegante (eu me senti assim, no início). E enganaria por bem mais tempo se não soubéssemos, previamente, que o cineasta Jafar Panahi, o homem que dirige o carro, está proibido de filmar e deixar sua terra natal para viver no exterior. No entanto, este é o seu quarto longa-metragem e assim como em “Isto não é um Filme” (2011), “Cortinas Fechadas” (2013) e “Taxi” (2015), ele arranjou uma maneira de exercer sua profissão e fazer um filmaço. Sim, filmaço, pois é isto o que é esta obra um tanto quanto mambembe (muito mais por causa das limitações que são lhe impostas do que por qualquer outro motivo) e com aspecto de película de guerrilha, daquelas prestes a serem confiscadas pela censura.

Com Panahi e Jafari mais expostos do que nunca (será que os aiatolás não sabem que estes filmes todos foram feitos? E se sabem, não fizeram nada para valer a proibição?), esta é uma viagem de descobertas. Junto com eles, o público é convidado a conhecer um pouco mais sobre os costumes e as tradições do Irã. Vocês sabiam que os homens têm o prepúcio cortado logo que nascem e que seus pais enterram este pedacinho de pele no terreno do local onde eles desejam que o filho estude no futuro? Se eles querem um herdeiro médico, o lugar tem que ser o campus de uma Faculdade de Medicina, por exemplo. Ao longo do caminho, a dupla entra em contato também uma série de pessoas. E aí notamos que, apesar da severidade já arraigada por quase 40 anos de dominação religiosa, os iranianos são, sim, hospitaleiros e que estamos diante de uma obra bastante deliciosa.

Desliguem os celulares e excelente diversão. Confira os horários de exibição no Festival do Rio.

*Filme visto no 20º Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: 3 Faces (سه رخ)
Direção: Jafar Panahi
Elenco: Jafar Panahi e Behnaz Jafari
País: Irã
Gênero: drama
Ano de produção: 2018
Duração: 80 minutos
Classificação: a definir

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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