CRÍTICA | ‘A Forma da Água’ é uma declaração de amor ao cinema

Bruno Giacobbo

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7 de outubro de 2017

Talvez nenhum cineasta transite tão bem pelo gênero da fantasia, hoje em dia, quanto o mexicano Guillermo Del Toro. De “Cronos” (1993) até “A Colina Escarlate” (2015), ele esteve envolvido em pelo menos dez produções que, de alguma forma, trabalham com elementos que exigem a suspensão da descrença na hora de comprar o barulho da história. A mais famosa delas foi “O Labirinto do Fauno” (2006), filme que obteve seis indicações ao Oscar e levou três prêmios para casa. Foi esta obra que lhe abriu as portas de Hollywood e angariou orçamentos vultosos para tentar concretizar seus sonhos loucos, sendo um deles o de se tornar o terceiro mexicano a levar a estatueta de melhor diretor nos últimos cinco anos. Uma década atrás, esta simples conjectura soaria risível dentro da poderosa indústria cinematográfica americana. Todavia, outras coisas também provocariam risos, acontece que os Estados Unidos e o mundo mudaram. Ou não mudaram e estou enganado?

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CRÍTICA #2 | ‘A Forma da Água’ é bonito, divertido e comovente

Há quem diga que a eleição de Donald Trump é a prova de que nada mudou. Eu não diria isto, mas que casos de sexismo, racismo, preconceito sexual ou xenofobia não deixaram de existir, lá é verdade. Dito isto, apesar de ser ambientada nos anos 60, a trama de A Forma da Água (The Shape of Water) parece especialmente feita para os nossos tempos. Elisa (Sally Hawkins) é faxineira em um laboratório militar e tem uma particularidade: é muda. Sua melhor amiga e colega de trabalho é Zelda (Octávia Spencer). A rotina de ambas é sempre a mesma. De casa para o emprego, do emprego para a casa, sendo que a primeira mora em um apartamento alugado em cima de um cinema. Vizinho de porta de Elisa, Giles (Richard Jenkins) é um desenhista desempregado. Alcoólatra em recuperação, não dá para saber se ele foi demitido por causa do vício ou por ser homossexual. E assim eles vão vivendo, ignorados.

Assim como nos contos de fadas, a vida da protagonista muda com a entrada em cena de dois novos personagens. Um é o coronel Strickland (Michael Shannon), que acabou de voltar de uma expedição na floresta amazônica. O segundo é uma criatura anfíbia (Doug Jones, o mesmo intérprete de outros seres fantásticos como Abe Sapien, o Fauno e o Homem Pálido, em longas de Del Toro) que, com seu corpo meio humanoide, meio peixe, era adorado como um deus pelos nativos sul-americanos. Em meio à disputa da corrida espacial contra a União Soviética, o militar e seus superiores querem estudar o ser para ver se isto gera algum tipo de vantagem, já que a pressão embaixo d’água e tão forte quanto a do espaço. O único a tratá-lo com dignidade e ética, é o cientista Hoffstetler (Michael Stuhlbarg). Do encontro entre Elisa e a criatura nascerá um entendimento sincero e, deste, um amor de cinema.

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Em entrevistas, que vem concedendo desde a campanha vitoriosa em Veneza, onde ganhou o Leão de Ouro, umas das premiações mais importantes e a que marca o início da corrida ao Oscar, Del Toro sempre frisa que este filme é uma declaração de amor ao cinema. E é mesmo. Dá para ver pelas homenagens que presta à indústria cinematográfica do passado. Temos, no bojo, tributos claríssimos aos grandes musicais e às películas de monstros, passando pela estética que, em diversos instantes, se assemelha a dos policiais noir. O fato da mocinha morar em cima de uma velha sala de projeção é, por si só, mais uma referência. Entretanto, é também uma declaração de amor à humanidade. Os personagens principais, Elisa (sexismo), Zelda (racismo), Giles (preconceito sexual) e a criatura (xenofobia), representam vítimas de práticas que não deveriam existir mais; e o vilão, Strickland, simboliza o opressor. No final, o diretor manda um recado para o público: se nos unirmos, poderemos fazer do mundo um lugar melhor.

Os trabalhos de Guillermo Del Toro têm uma marca registrada: eles são grandiosos. A Forma da Água não é diferente. Efeitos especiais, cenários bem elaborados, fotografia magnífica e trilha sonora, organizada pelo maestro Alexandre Desplat, que nos brinda com a voz de Carmem Miranda, conferem textura, sons e cores a esta obra-prima em forma de conto de fada. Há graciosidade e beleza em tudo, inclusive na cena de amor entre Elisa e a criatura, muito mais bela do que a protagonizada pelo vilão e sua esposa. Contudo, em se tratando, entre outras coisas, de um tributo ao cinema clássico, nada aqui se destaca mais do que as interpretações. Em estado de graça, Hawkins, Jenkins, Shannon e Spencer formam um time em condições de abocanhar muitos prêmios na temporada que está começando. Eles e o seu sonhador diretor, que nos faz sonhar sempre que assistimos à um dos seus filmes.

Desliguem os celulares e excepcional diversão.

*Filme visto no 19º Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro

::: TRAILER

::: FOTOS

::: FICHA TÉCNICA

Título original: The Shape of Water
Direção: Guillermo Del Toro
Elenco: Sally Hawkins, Octavia Spencer, Michael Stuhlbarg, Michael Shannon, Doug Jones
Distribuição: Fox
Data de estreia: qui, 11/01/18
País: Estados Unidos
Gênero: drama
Ano de produção: 2017

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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