CRÍTICA | Atuação empoderada de Cláudia Abreu é a luz mais reluzente do ótimo ‘Berenice Procura’

Bruno Giacobbo

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27 de junho de 2018

Psicanalista por profissão, escritor por paixão, Luiz Alfredo Garcia-Roza está para o Rio de Janeiro como Denis Lehane está para Boston. Através de seus romances policiais é possível esquadrinhar os recantos mais ensolarados e sombrios da Cidade Maravilhosa. A geografia e a gente carioca se revelam a cada pista seguida pelo delegado Espinosa, seu personagem mais icônico. Fã declarado, eu vivia me perguntando o porquê de ainda não terem feito uma adaptação cinematográfica decente de um dos livros do autor. Digo decente porque, em 2000, foi lançado o longa “Achados e Perdidos”, baseado em uma obra homônima, só que, para a minha surpresa, o protagonista foi simplesmente cortado desta história. Ora, isto equivale a filmar uma aventura de Patrick Kenzie e Ângela Gennaro, os detetives de Lehane, sem a dupla: inaceitável. Logo, foi com relutância que recebi a notícia da adaptação de Berenice Procura, uma vez que este é o único romance do psicanalista em que o policial não aparece.

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Estrelado pela talentosa Cláudia Abreu, o filme, como todas as tramas de Garcia-Roza, tem seu epicentro em Copacabana. Berenice é uma taxista. Ela vive com o marido Domingos (Eduardo Du Moscovis), um repórter televisivo, e o filho Thiago (Caio Manhente), em um apartamento do bairro. De dia, ela dirige o táxi herdado do pai pelas ruas da cidade. De noite, retorna para a escuridão de um lar confuso, onde seu casamento em crise sobrevive às custas de muitos sacrifícios e ninguém fala a mesma língua. Em uma manhã ordinária e comum, a notícia de um crime chama sua atenção. Uma mulher fora encontrada morta nas areias da praia, pertinho do calçadão da Avenida Atlântica. Subitamente, Berenice se sente atraída por este acontecimento sórdido e se vê compelida a investigar, por conta própria, o caso. Assim, de uma hora para outra, sua vida ganha outro sentido. E foi assim também, instantaneamente, que a minha relutância desapareceu por completo.

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Não sei se esta foi uma questão preponderante na hora de escolher qual livro adaptar e com isto, mais uma vez, deixar Espinosa de fora, mas a protagonista em questão é uma personagem empoderada. Só que o empoderamento de Berenice é bastante diferente daquele almejado por alguns grupos de militantes e ativistas. Ela é uma mulher que trabalha porque precisa, ciente de que não pode depender do marido e que não hesita em defender a cria, quando necessário. Lá no fundo, tudo o que deseja é ser feliz e se sentir plenamente realizada, na vida e na cama, sem medo de ser lambuzada pelo rótulo do machismo. Machista são os outros e não ela por querer satisfazer suas vontades. Uma cena deixa esta situação bem clara. O longa-metragem trata ainda do empoderamento de outro segmento, o do universo transexual carioca. Isto acontece ao trazer este mundo para os holofotes, algo raro em nossa filmografia. Boa parte da trama se passa num inferninho e é nele que brilha a bela Isabelle, interpretada pela atriz e modelo transexual Valentina Sampaio.

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A partir deste crime, a direção de Allan Fiterman e o roteiro de Flavia Guimarães nos conduzem em uma história onde as coisas não são o que aparentam ser. Em entrevista coletiva, os produtores disseram que alguns detalhes da obra original foram alterados. Não sei quais, pois este foi o único livro do Garcia-Roza que não li, mas dá para garantir que as características comuns à literatura do autor estão lá, como, por exemplo, a possibilidade de o público tirar suas próprias conclusões em relação ao desfecho da trama. A construção deste clima de mistério foi feita com o luxuosíssimo auxílio da fotografia de Azul Serra, que equilibra bem a luminosidade natural das cenas diurnas de Copacabana e a luminosidade artificial-neon-noturna dos inferninhos; e da edição de Fábio Jordão, que imprime agilidade e embaralha o conceito de tempo. Contudo, a luz mais reluzente e chamativa de Berenice Procura é a atriz Cláudia Abreu, em uma atuação verdadeiramente empoderada.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

::: TRAILER

::: FOTOS

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::: FICHA TÉCNICA

Título original: Berenice procura
Direção: Allan Fiterman
Elenco: Cláudia Abreu, Eduardo Moscovis, Vera Holtz
Distribuição: H2O
Data de estreia: qui, 28/06/18
País: Brasil
Gênero: drama
Ano de produção: 2017
Duração: 90 minutos
Classificação: 14 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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