CRÍTICA | ‘Canastra Suja’ é a consagração de um cineasta em um filme excepcional

Bruno Giacobbo

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20 de junho de 2018

Um dos teasers de divulgação de Canastra Suja, quarto longa-metragem do cineasta Caio Sóh, transcorre todo ao som de “Evidências”, de Chitãozinho e Xororó. Nós não somos japoneses, não amamos karaokês, mas quem já frequentou um na Liberdade ou em Botafogo, sabe que esta música é um ícone do amor e da sofrência. Na tela, enquanto a canção preenche os espaços da nossa imaginação afetiva, imagens do que seria uma família cantando, brigando e surtando, sucedem-se uma após a outra. Por estas cenas, que somam, ao todo, mais ou menos, dois minutos, dá para notar que o objetivo do diretor é desnudar as entranhas daquele núcleo familiar que, aparentemente, parece-se com tantos outros por aí. E é isto que ele faz por meio de uma trama dramática, pincelada com pitadas de suspense e que guarda para o seu último ato dois ótimos plot twists.

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Na história, Batista (Marco Ricca) é casado com Maria (Adriana Esteves) e tem três filhos: Emília (Bianca Bin), Pedro (Pedro Nercessian) e Rita (Cacá Otoni). Alcoólatra, ele possui seríssimos problemas de relacionamento com os seus entes queridos. No entanto, nenhuma relação é mais complicada do que a com o único filho. O rapaz não trabalha ou estuda. E Batista o cobra por isso. Por outro lado, Pedro não gosta da forma como o progenitor trata a todos. Logo, sobram faíscas entre eles. O casamento dos pais também está em crise. Maria quase não sai. Sua função é fazer a comida, arrumar o lar e cuidar de Rita, portadora de algum grau de autismo que a faz ficar totalmente alheia aos problemas familiares. Definitivamente, esta dona de casa é infeliz. O personagem mais centrado parece ser Emília. Ela trabalha e faz força para que o pai frequente as reuniões dos Alcoólicos Anônimos (AA). Só que, amorosamente, está dividida entre o chefe, o dentista Lucas (João Vancini), e o namorado Tatu (David Júnior).

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Sóh escolheu mostrar esta história através do ponto de vista de cada um dos personagens. São cinco atos, todos com o seu começo delimitado por uma carta do baralho que aparece na telona: o rei, a dama, o oito, o valete e o coringa. A tal canastra suja a qual o título faz referência. A escolha por este formato serve para dar relevância a Batista, a Maria, a Emília, a Pedro e a Rita. Em tese, o patriarca é o personagem principal, mas sua saga não é mais importante do que a de nenhum outro. Aos poucos, vamos conhecendo um a um e vendo como suas histórias se misturam. Eles são diferentes, cheios de idiossincrasias. São homens e mulheres com todas as suas individualidades latentes. Entretanto, é praticamente impossível não vê-los como um ente indivisível. O historiador francês Marc Bloch disse, uma vez, que “os homens se parecem mais com sua época do que com seus pais”. O filme relativiza este dogma historiográfico e mostra como temos muito da nossa família.

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Nas locações de Vargem Grande, que reproduzem uma vizinhança suburbana qualquer, sem nome ou localização geográfica definida, a direção de arte ajudou a criar o clima perfeito para despertar no público uma sensação de empatia. Tudo é muito simples e humilde. Vai lembrar a origem de bastante gente e, dessa forma, a identificação com aqueles dramas será natural. E é neste contexto fértil que brilham talentos em profusão. Ex-marido e mulher na vida real, parece que Marco e Adriana levaram a química de outrora (e talvez os eventuais ressentimentos) para dentro do set. Galhardetes do cinema nacional, eles explodem em cena e contagiam os outros. Estrela atual da televisão, Bianca mistura sensualidade e ingenuidade; fortaleza e insegurança. Já Pedro, sempre que exigido, tabela com “seus pais” como um veterano. O trio protagoniza alguns dos melhores momentos. Contudo, a grande revelação é a menina Cacá, em uma atuação tão eloquente quanto desprovida de palavras.

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Um dos pontos altos de Canastra Suja são os diálogos, o que serve para comprovar o amplo domínio do cineasta sobre o processo fílmico, uma vez que, além de dirigir, ele escreveu o roteiro. Extremamente feliz ao criar algumas das frases mais impactantes do cinema nacional na última década, suas escolhas quanto a enquadramentos e à utilização de planos-sequência foram igualmente afortunadas. Assim, destaca-se, logo de cara, uma cena em que uma câmera, subjetiva e tremida, deixa claro que estamos diante do olhar ébrio de Batista e o plano que entrega o segundo e definitivo plot twist do filme. Neste exato momento, surpreendidos pela última vez, dificilmente os espectadores não estarão envolvidos pelo mise-en-scène engendrado por Sóh. Desnudadas como aquela família, a emoção é quase certa e o único problema é o risco de as pessoas deixarem o cinema chorando e cantarolando os versos de “Evidências” como se estivessem em um karaokê.

Desliguem os celulares e excepcional diversão.

::: TRAILER

::: FOTOS

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::: FICHA TÉCNICA

Título original: Canastra suja
Direção: Caio Sóh
Elenco: Adriana Esteves, Marco Ricca, Bianca Bin
Distribuição: ArtHouse
Data de estreia: qui, 21/06/18
País: Brasil
Gênero: drama
Ano de produção: 2018
Classificação: 16 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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