CRÍTICA | Candidato italiano ao Oscar 2018, ‘Ciganos da Ciambra’ é, no mínimo, genial

Bruno Giacobbo

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30 de abril de 2018

Candidato italiano ao Oscar 2018, Ciganos da Ciambra (La Ciambra) pode ser considerado um dos grandes injustiçados da última temporada de premiações, uma vez que, o segundo longa-metragem do ítalo-americano Jonas Carpignano, não figurou entre os nove pré-selecionados. O sentimento de injustiça vem do resultado que desabrocha, paulatinamente, ao longo das quase duas horas de projeção. Ao filmar a história de Pio (Pio Amato), um adolescente de 14 anos que vive com sua numerosa família naquilo que chamamos aqui no Brasil de cortiço ou cabeça de porco, o cineasta conseguiu, de forma curiosa, dialogar com dois filmes distantes 60 anos, um do outro, e que estão entre os mais poderosos da Itália, o país que mais venceu o prêmio da Academia de melhor filme estrangeiro. O resultado é, no mínimo, genial.

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A história se desenrola toda na comuna de Gioia Tauro, Calábria, uma das regiões mais pobres da península itálica. O protagonista é um dos filhos de Rocco (Rocco Amato) e Iolanda (Iolanda Amato). Assim como alguns de seus parentes, é analfabeto e passa a impressão de que nunca frequentou uma escola. Sua única ocupação diária é seguir o irmão mais velho, Cosimo (Damiano Amato), por quem nutre verdadeira adoração. O problema é que este não é uma boa influência: ele vive do roubo de carros e outros furtos menores. Aliás, trabalhar não é o forte de nenhum dos membros da família. Todos ficam em casa e falta dinheiro. Esta situação fica patente numa cena em que a polícia dá uma incerta e Pio corre para desligar o “gato” que fornece luz para o lugar. Só que, de uma hora para outra, o garoto vai precisar amadurecer.

O amadurecimento vem com as prisões de Rocco e Cosimo. A partir desse momento, Pio se vê impingido, mesmo contra a vontade de sua mãe, a assumir o lugar do irmão e a ganhar alguma grana. Para isso, ele não só passa a cometer os mesmos crimes, como passa a se relacionar com um grupo de homens que atende pela alcunha de “italianos”. A bordo de seus carros pretos, eles chegam botando banca. São os “donos do pedaço” e, muito provavelmente, integrantes da ‘Ndrangheta, a famosa máfia calabresa. Em meio a estes novos desafios, o único que tenta fazer o menino a trilhar o caminho certo é Ayiva (Koudous Seihon), um imigrante de Burkina Faso que mora em um assentamento com outros africanos. Este relacionamento é o que o protagonista tem mais próximo de uma relação com uma figura paterna.

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Produzido por Rodrigo Teixeira e Martin Scorsese, classificar este trabalho meramente como um filme de crime, apesar de ele flertar com o gênero, seria um equívoco. Na realidade, ele é muitas coisas numa só. É o testemunho do amadurecimento forçado de um adolescente sem futuro e é, também, uma obra-denúncia. Para além do luxo das passarelas de Milão, do charme de Veneza ou da beleza histórica de Roma, o sul da Itália se assemelha bastante com os países do Terceiro Mundo. E as câmeras de Carpignano focam nesta região que costuma ser retratada justamente nos filmes de máfia. Há, ainda, um tom semidocumental, fruto da escolha do elenco. Pio, Rocco, Iolanda, Cosimo e companhia são uma família na vida real. O diretor os conheceu quando um dos Amato roubou seu carro, em 2011.

Cineasta pouco experiente, o ítalo-americano demonstrou muita segurança ao tomar algumas decisões que contaram com o apoio de uma excelente equipe técnica. No decorrer do longa, vemos uma mescla de poucos planos abertos, que destacam a pobreza local, com muitos closes que esquadrinham os não-atores. Na cena de um jantar, a câmera realiza diversos miniplanos-sequência. Estes, por sua vez, são interrompidos por cortes abruptos que ocorrem durante toda a projeção, conferindo dinamismo a uma trama naturalmente lenta. A música também marca as passagens em que a contemplação deve ser abandonada. Esta junção de talentos envolvendo o trabalho de direção, a montagem do brasileiro Affonso Gonçalves e a trilha sonora organizada por Dan Romer resulta em um belíssimo espetáculo sensorial.

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Lá no início, escrevi que Jonas Carpignano fez um longa que dialoga com dois filmes poderosos. Na verdade, numa rápida olhada, sua obra evoca o neorrealismo italiano, claro, com roupagem modernosa. De qualquer forma, é difícil não perceber este parentesco quando lembramos que todos aqui são não-atores ou observamos que lança um olhar desolado para uma Itália em crise e miserável. Pio é quase um Bruno (Enzo Staiola), o pequeno coprotagonista de “Ladrões de Bicicleta” (1948), só que muito mais malicioso. E justo esta malicia, forjada num ambiente de crime e punguistas, me fez lembrar de “Gomorra” (2008), clássico recente, no caso, trocando a máfia napolitana pela calabresa. Sei que comparações são arriscadas, mas Ciganos da Ciambra é um lírico encontro entre Vittorio De Sica e Matteo Garrone.

Desliguem os celulares e excepcional diversão.

::: TRAILER

::: FOTOS

::: FICHA TÉCNICA

Título original: A Ciambra
Direção: Jonas Carpignano
Elenco: Pio Amato, Koudous Seihon, Damiano Amato
Distribuição: Pandora Filmes
Data de estreia: qui, 03/05/18
País: Itália, Estados Unidos, França, Suécia, Alemanha, Brasil
Gênero: drama
Ano de produção: 2017
Duração: 118 minutos
Classificação: 14 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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