CRÍTICA | ‘Cora Coralina – Todas as Vidas’ é um filme doce, delicado e vale cada centavo do ingresso

Bruno Giacobbo

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15 de dezembro de 2017

Livre adaptação da biografia “Raízes de Aninha”, escrita pelos pesquisadores Clóvis Brito e Rita Elisa Seda, o documentário Cora Coralina – Todas as Vidas, dirigido e roteirizado por Renato Barbieri, chega em boa hora, num país onde, costuma-se dizer, o povo não tem apego ao passado e a sua história. Se fizermos uma enquete informal, nas ruas do Rio de Janeiro ou de São Paulo, talvez, pouquíssima gente saiba responder quem foi Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, ou melhor, Cora Coralina, a mulher que mesmo sem ter terminado os estudos, devido a situação financeira da família outrora abastada, se tornou uma das maiores poetisas brasileiras de todos os tempos e uma doceira de mão cheia. Aliás, segundo os relatos mostrados no filme, é quase impossível dizer qual era o maior dom desta senhorinha goiana de modos simples e bastante humilde: fazer doces ou escrever.

A partir de depoimentos colhidos entre estudiosos da obra de Cora, amigos e familiares, o cineasta delineia a linha temporal da vida da poetisa. Seus primeiros anos, marcados pelo incômodo de ser a filha do meio e não contar com os privilégios da primogênita ou o carinho que era dedicado a caçula e pelos comentários nem sempre delicados sobre sua aparente fragilidade física, nos são apresentados com tamanha naturalidade que, logo, nos sentimos íntimos. Partícipes de sua intimidade, descobrimos que a ausência de uma educação formal, no final de sua vida escolar, foi plenamente compensada por um ávido interesse pela leitura, herdado da mãe, a austera Dona Jacyntha. Da infância à vida adulta, ao lado do advogado Cantídio Tolentino de Figueiredo Bretas, homem mais velho, desquitado, que conheceu no Clube Literário Goiano e se tornou seu marido e grande incentivador, é um pulo sem atropelos, graças a clareza da narrativa.

Nesta deliciosa mistura entre cinema e literatura, doces recém-saídos da fornalha pintam na forma de declamações e interpretações das poesias de Cora Coralina, nas belas vozes das atrizes Maju Souza, Camila Márdila, Tereza Seiblitz, Beth Goulart, Zezé Motta e Walderez de Barros. Cada uma delas incorpora a homenageada em uma fase de sua vida. A caçula, Maju, é Aninha, a menina de pernas em formato de gambitos. Já a veterana Walderez representa a poetisa-doceira, mulher vivida, que retornou à Cidade de Goiás para uma visita e de lá não conseguiu mais arredar os pés. Contudo, não há doce mais gostoso do que os depoimentos prestados pela própria biografada. Em um rico e competente trabalho de garimpo, Barbieri e sua equipe conseguiram resgatar entrevistas dadas à televisão. Ouvir a voz de Cora, nascida há 128 anos no coração verde do Brasil, é como saborear um caramelo açucarado.

Cora Coralina – Todas as Vidas não é o primeiro longa-metragem a ser exibido nos nossos cinemas, este ano, onde a poesia é praticamente uma personagem. No mês de abril, estreou o bom “Paterson” (2016), de Jim Jarmusch estrelado por Adam Driver. Celebrado por boa parte da crítica especializada, o filme americano não me ganhou totalmente por causa de sua poética mais genérica e universal. O protagonista fala de coisas como, por exemplo, caixa de fósforos. No brasileiro aconteceu justamente o contrário. Não sou goiano, só estive uma única vez na região Centro-Oeste, só que Cora fala a língua da gente, de coisas e assuntos que dialogam com o nosso sentimento de brasilidade. Desta forma, assim como ocorreu comigo, acredito que a película de Barbieri vai se comunicar com um número maior de espectadores. Ela é doce, delicada e vale cada centavo do ingresso.

Desliguem os celulares e excelente diversão. 


FICHA TÉCNICA

Distribuição: Fênix Filmes
Data de estreia:  qui, 14/12/17
País: Brasil
Gênero: documentário
Ano de produção:  2016
Classificação: Livre

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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