Crítica de Filme | Além da Fronteira

Giselle Costa Rosa

Você consegue imaginar uma boate gay em Israel? E um palestino todo “montado” com acessórios femininos? Pense num cara que de dia se encontra  na função “caretinha” e à noite está no palco dando show. Perceba que essa pessoa poderia ser qualquer um entre nós aqui no Rio de Janeiro. Quem sabe o que faz aquele seu colega de trabalho na calada da noite? Sim, aquele mesmo com quem você discute sobre futebol enquanto para pra tomar um cafezinho num corredor da empresa. Por aqui ver travestis circulando nas ruas é comum, apesar de ainda existirem repercussões negativas e violentas ao se adotar um estilo de vida como esse, ou qualquer outro, que esteja fora da heteronormatividade.

Os atores Michael Aloni e Nicholas Jacob.

Os atores Michael Aloni e Nicholas Jacob.

O longa-metragem de estreia Além da Fronteira, do diretor Michael Mayer, expõe um pouco como é ser gay e ter um enlace amoroso com seu inimigo político, ideológico e religioso, escolhido pra si bem antes de nascer. Roy (Michael Aloni), o charmoso e belo judeu que trabalha como advogado e Nimr (Nicholas Jacob), o bonito e boa praça estudante palestino de psicologia, se conhecem numa boate em Tel Aviv. Logo eles se descobrem apaixonados e não será nada fácil lutar pra continuarem juntos. Talvez haja uma falta de química entre os dois atores, apesar do Michael Aloni conseguir atuar de uma forma mais verdadeira e consistente. O diretor israelense poderia ter trabalhado mais o lance da intimidade e cumplicidade entre eles. Já o roteiro possui alguns furos. Nada que comprometa a boa história ou a agilidade da narrativa.

Atravessar a fronteira não é um simples ato pra nenhum dos lados. Demanda autorização, checagens. Nimr escapole à noite do território palestino para Tel Aviv em busca de diversão. Na boate gay, ele se diverte sem maiores preocupações. A vivência de tudo isso acaba fazendo-lhe descobrir um pouco mais sobre si mesmo. A sensação de passar incólume reforça a coragem e a força de buscar plenitude. No entanto, sem que Nimr saiba, a agência de segurança de Israel está o monitorando, assim como todos os outros que transitam e/ou habitam naquele território. Ser gay em Israel não é bom, porém, na Palestina, significa ser condenado à morte ou ser renegado pela família, que cairá em desgraça, se alguém souber do fato. Em todos os países árabes, mesmo que não haja uma legislação sobre o tema, a tolerância é praticamente nula. Nimr sabe o risco que corre. Quando consegue licença para frequentar mestrado em Tel Aviv é como se uma porta se abrisse. Quem não gosta nada disso é seu irmão Nabil (Jameel Khouri), pois seu lance é o confronto armado, a violência como meio de obter o que se deseja e que não é permitido. Mas de alguma forma ele admira inteligência de Nimr.

No decorrer do filme a tensão entre os irmãos só cresce. Teremos violência versus educação e direitos humanos. Nabil acha que ao ser violento fará com que o outro se intimide  e aceite as condições que lhe forem impostas num cenário onde tudo e todos são vigiados, muitas vezes até chantageados em prol do padrão desejado de comportamento.

Nimr e seu irmão Nabil.

Nimr e seu irmão Nabil.

Quando as coisas apertam, em termos de perseguição, Nimr pensa em deixar o território palestino de vez e ir em direção a Europa. Seu namorado dá uma negativa. Aquela terra tem muito significado e não seria fácil deixá-la pra trás. A Agência de Segurança segue apertando o cerco e não deixará nenhum deles em paz até conseguir o que deseja; matá-lo. A única alternativa que sobra ao jovem psicólogo é matar ou morrer. Seu ideal de vida não comporta a política praticada por nenhum dos dois lados. E assim se vê fadado ao exílio. O final em aberto do filme defende o argumento de que nem tão cedo teremos um desfecho positivo para qualquer um dos lados, uma vez que nem judeus, nem palestinos demonstram disposição pra negociarem em prol da paz.

BEM NA FITA:  boa direção, bons atores, roteiro envolvente e agilidade de narrativa.

QUEIMOU O FILME: o roteiro possui alguns furos.

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FICHA TÉCNICA:

Nome: Além da Fronteira (Out in the Dark)
Direção: Michael Mayer
Roteiro:Yael Shafrir, Michael Mayer
Elenco: Alon Pdut,Jamil Khoury, Khawlah Hag-Debsy,Mustafa Na’amne, Michael Aloni,Nicholas Jacob
Edição: Maria Gonzales
Fotografia: Ran Aviad
Música: Ian dos Anjos, Begê Muniz
Produção: Mark Holden & Michael Lopez
País: Israel / EUA / Palestine
Gênero: Drama
Duração: 1h 36min
Ano: 2013

Giselle Costa Rosa

Integrante da comunidade queer e adepta da prática da tolerância e respeito a todos. Adoro ler livros e textos sobre psicologia. Aventuro-me, vez em quando, a codar. Mas meu trampo é ser analista de mídias. Filmes e séries fazem parte do meu cotidiano que fica mais bacana quando toco violão.
NAN