Crítica de Filme | Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

Bruno Giacobbo

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23 de fevereiro de 2015

OSCAR 2015 - birdman blah culturalDirigido pelo mexicano Alejandro Iñarritu, Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) conta a história de Riggan Thomson (Michael Keaton), um veterano ator de Hollywood assombrado pelo papel que lhe deu fama, popularidade e dinheiro: o super-herói Birdman. No entanto, desde que ele se recusou a participar do quarto capítulo da franquia, em 1992, o velho artista não sabe o que é um sucesso. A amargura dos dias de ostracismo contribuiu para acabar com o casamento com a bela Sylvia (Amy Ryan), com direito a brigas e facas arremessadas para todos os lados, e para afastá-lo da filha Sam (Emma Stone), que, como várias ex-crianças prodígios do mundo do entretenimento, se envolveu com drogas e em muitas confusões. Querendo desperadamente dar a volta por cima, o nosso anti-herói tem uma idéia: estrelar, dirigir e produzir a adaptação de um best-seller para a Broadway.

O filme é uma corajosa, ousada e mordaz crítica ao mundo onde foi concebido e produzido. As histórias da família Thomson poderiam muito bem ter saído das páginas do TMZ, o principal site de fofocas de Hollywood. E sem nenhum receio, o que seria perfeitamente compreensível para um cineasta vindo de fora dos Estados Unidos, Iñarritu não utiliza apenas o núcleo familiar do protagonista como instrumento de sua crítica ácida. Os demais personagens também são simulacros de diversos tipos conhecidos: Jake (Zach Galifianakis), o empresário ganancioso que só pensa em lucrar, Mike Shiner (Edward Norton), o ator sensação, um mentiroso que não se importa de fazer o jogo da imprensa para ficar bem na fita e Lesley (Naomi Watts), uma atriz totalmente desprovida de amor próprio. Sobra até para os críticos, personificados em Tabitha Dickinson (Lindsay Duncan), uma figura mal amada que abomina blockbusters e tudo o que não julgue arte.

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Em um duplo exercício de metalinguagem, mostrando que a vida imita a arte, mas que a arte também imita a vida, a escolha de Keaton para desempenhar o papel principal não foi mera obra do acaso. Foi um fino toque de ironia do diretor. Quem melhor do que o ex-intérprete de Batman para viver o ex-intérprete de Birdman? Na vida real, assim como no cinema, após declinar do convite para ser o homem-morcego pela terceira vez, o ator nunca mais fez nada de relevante. Assim, este filme pode representar para Keaton o que a peça pode representar para Riggan: o retorno triunfante à luz dos holofotes. O segundo exercício de metalinguagem é bem mais sutil. A peça redentora de Riggan chama-se “O que falamos, quando falamos de amor?” e versa sobre um homem com sérios problemas em relação a este sentimento. Em uma das cenas mais contundentes do filme, Sam joga na cara do pai que ele não participa de nenhuma rede social por medo de não ter muitos amigos virtuais e isso significar que ele não é amado. Touché.

A ousadia deste longa-metragem não aflora somente na proposta do seu tema e nas brincadeiras evolvendo realidade e ficção. Ele foi filmado e editado de forma que parecesse um enorme plano-sequência. Evocando, claramente, “Festim Diabólico” (1948), do mestre Alfred Hitchcock, a câmera segue os atores pelos bastidores do teatro onde o espetáculo está sendo montado. Deste jeito, três dias, dois ensaios abertos e uma apresentação oficial ocorrem, naturalmente, em alucinantes duas horas. É claro que há cortes. Acontece que eles são tão bem feitos, a montagem tão perfeita, que o espectador desacostumado aos truques cinematográficos não irá notá-los. Tudo embalado pela hipnótica fotografia de Emmanuel Lubezki (o mesmo de Gravidade, 2013) e por uma bela trilha sonora pontuada por fantásticos solos de bateria que, coincidentemente, remetem ao contemporâneo “Whiplash” (2014).

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E como teatro se faz, antes de tudo, com ótimas atuações e texto inteligente, não dá para escrever sobre este filme sem falar desta dicotomia. O excelente roteiro, que tem Iñarritu como um de seus quatro autores, é provido de diálogos picantes, duros e repletos de referências, algumas reverentes, outras irreverentes, a várias estrelas reais. Marlon Brando, Jason Robards (se fossem vivos), Ryan Gosling, Robert Downey Jr. e Justin Bieber estão entre os citados que poderiam comemorar ou reclamar da menção aos seus nomes. Na boca do elenco escolhido, tudo fica ainda mais delicioso. Keaton e Stone brilham como nunca brilharam antes. Já Norton só reafirma o que o mundo está cansado de saber: é um dos grandes de sua geração. Impagável, junto com o protagonista, ele tem cenas memoráveis.

Com o subtítulo “a inesperada virtude da ignorância”, Birdman tem numerosas virtudes, contudo, nenhuma delas advindas da ignorância. Dono de uma cinematografia polêmica, o cineasta mexicano foi além e produziu sua obra-prima. O mais ousado de seus trabalhos, não por tocar no assunto mais controverso, mas por criticar um mundo que conhece bem, no qual está inserido e se arriscar em se indispor com seus pares. Ainda bem que não é o único, pois Olivier Assayas aborda a mesma temática, de forma mais leve, no belíssimo “Acima das Nuvens” (2014). Sorte nossa.

Desliguem os celulares e ótima diversão.

BEM NA FITA: Direção, roteiro, atuações, montagem, fotografia e trilha sonora. A proposta do filme, a coragem de criticar o mundo onde foi concebido e produzido; a dupla metalinguagem. Tudo.

QUEIMOU O FILME: Como não gostar de algo neste filme? Impossível.

FICHA TÉCNICA:

Direção, roteirista e produtor: Alejandro González Iñarritu.
Co-roteiristas: Nicolás Giacobone, A. Dinelaris Jr. e Armando Bo.
Co-produtores: John Lesher, Arnon Milchan e James Skotchdopole.
Elenco: Michael Keaton, Edward Norton, Emma Stone, Naomi Watts, Zach Galifianakis, Andrea Riseborough, Amy Ryan, Lindsay Duncan, Merritt Wever, Jeremy Shamos e Akira Ito.
Edição: Douglas Crise e Stephen Mirrione.
Fotografia: Emmanuel Lubezki.
Trilha Sonora: Antonio Sánchez.
Duração: 119 minutos.
Ano: 2014.
País: Estados Unidos.

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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