Crítica de filme: César deve morrer
Bernardo Sardinha
Nos primeiros dias de fevereiro, o Instituto Moreira Salles – RJ, junto com Europa Filmes e Mares Filmes, promoveu uma programação voltada para teatro e política, com a projeção de “Julio César” (Julius Caeser) de Stuart Burges (EUA, 1970, 117´), “Julius Caeser” (de Joseph Mankiewicz, EUA, 1953. 121′) e a pré-estréia do último filme dos irmãos Taviani, “César deve morrer” (Cesare deve morire, Itália, 2012, 76´).
Quando escutei que o filme era sobre uma adaptação do famoso texto de William Shakespeare, feito por detentos de um presídio de segurança máxima italiano, eu fiquei bastante curioso e quando descobri que tinha ganhado o urso de prata de Berlim, minhas expectativas aumentaram – o que é péssimo.
O filme não é só uma adaptação do famoso texto, mas também se propõe a documentar o mis-en-scene carcerário(!). Da escolha dos papéis, para a montagem final, os diretores visaram captar a dedicação dos detentos nos ensaios assim como sua vida na prisão, em uma tentativa clara de humanizá-los. Os protagonistas têm uma exposição breve, e é somente quando a “realidade” dura da vida em cárcere invade os ensaios, é que conhecemos melhor os atores e o mundo em que vivem.
“César deve morrer” tenta se passar por um docudrama, mas na verdade não o é, já que os detentos, que são os atores, estão representando, na grande parte do tempo, para as câmeras dos Irmãos Taviani. Ironicamente, os únicos momentos em que os presos não estão encenando para as câmeras são quando eles estão no teatro apresentando a peça. Por não abraçar o processo de documentar a produção, sempre se vê presente o peso da mão intrusiva dos irmãos diretores e, por isso, quando vemos dois prisoneiros interromperem um ensaio por causa das suas picuinhas, ou quando um alisa um banco pensando na possível mulher que pode vir a sentar ali – a suspensão da descrença vai toda embora.
A diretora de fotografia – Simone Zampagni – utilizando-se do preto e branco e dos ângulos certos, conseguiu transformar um presídio de segurança máxima em Roma Antiga com bastante eficiência – onde uma cela se torna facilmente uma casa e um pátio sórdido no fórum do senado da antiga cidade. O contraste entre o preto e o branco dos ensaios, que enfatiza a realidade da prisão, e as cores quentes e vivas da apresentação teatral, denota a importância da arte para aqueles detentos – tema que por sua vez é sublinhado algumas vezes no decorrer do filme e se torna explicíto quando depois de uma apresentação um detento diz que após ‘conhecer a arte, a cela se tornou uma verdadeira prisão’.
O artifício de peça-dentro-do-filme, assim como, a idéia de detentos interpretarem peças consagradas de Shakespeare não são lá muito originais (veja “Shakespeare behind bars“), mas, no final das contas, o filme não é ruim, mas não cumpre exatamente o que se propõe, ficando marcado na mémoria algumas interpretações memoráveis dos detentos como Salvatore Striano como Brutus e Antonio Frasca como Marco Antonio.
Confira o trailer de “César deve morrer”