Crítica de Filme | Eu sou Michael

Giselle Costa Rosa

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20 de outubro de 2015

Polêmico e controverso, Eu sou Michael levanta uma grande discussão em torno da homossexualidade e religião. Seria possível uma caber dentro da outra? Ou simplesmente são como água e óleo que não se misturam? E quem é esse Michael? Bem, ele é um cidadão americano que por um longo tempo foi gay assumido, co-fundador da revista premiada Young Gay America e defensor dos direitos LGBTS. E antes de continuar, vale dizer que o filme não é um documentário, e sim uma ficção.  Ou seja, não tem compromisso com os fatos como eles ocorreram.

O lançamento dessa produção vem causando barulho pelo fato do diretor Justin Kelly ser homossexual assumido e ter realizado esta obra de teoria apócrifa. Em seu primeiro longa, baseado no artigo Benoit Denizet-Lewis NYT “Meu Ex-Gay Friend”, que teve como produtor executivo Gus Van Sant, o diretor de “Gênio Indomável”(1997), “Milk: A Voz da Igualdade Milk: A Voz da Igualdade” (2008) e “Elefante” (2003), fez questão de deixar claro que não se trata de uma história sobre um “ex-gay” e sim uma trama sobre a força da crença e o desejo de pertencimento, um drama sobre religião e homossexualidade.

Os holofotes se voltam para Michael Glatze, vivido pelo queridinho James Franco, quando um belo dia ele resolve se declarar hétero na mídia. A semente plantada no roteiro, para que o conflito interno de Glatze se iniciasse, só fez crer que ele tenha virado um fundamentalista religioso por algum trauma de infância como, por exemplo, a não aceitação da morte de seus pais em curto espaço de tempo entre uma e outra. Somado ao pânico de morrer sem saber se no fim de sua existência iria para algum lugar bom ou se simplesmente tudo extinguiria no ato final. Em contraste, como faz crer o longa, com sua decisão de deixar de ser gay em consequência de ter sido tocado por Deus enquanto enfermo, fato pregado por Michael após sua conversão. O arco dramático do personagem, construído para mostrar a trajetória de ativista e homossexual para “ex-gay”, deixa a desejar.

Michael e sua futura namorada.

Michael e sua namorada cristã vivida por Emma Roberts

Na trama, Michael rompe com seu namorado Bennett, vivido por Zachary Quinto, e começa a manifestar um colapso nervoso – o famoso ataque de pânico. Antes que isso fosse comprovado por um especialista, chega a pensar que sofre do mesmo problema de coração que matou seu pai. A pseudo aproximação com o fim de sua existência, somada a extrema dificuldade em lidar com a morte de sua mãe, fizeram-no renunciar à sua orientação sexual. Ele se converte temporariamente ao mormonismo, abandonando todas as suas atividades e amores passados para mergulhar fundo na fé mórmon, procurando antes respostas no taoísmo, no budismo, em leituras hinduísmo e no cristianismo. O que vemos, quando ele passa a estudar a Bíblia compulsivamente, é um decorar de versículos para encaixá-los naquilo que lhe convier. Um apanhado de palavras vagas e adaptáveis a várias situações, o suficiente para dizer nada a ninguém, que sendo bem empregado pode arrebanhar muitos.

Certo de que os ataques de pânico foram um meio de Deus para o avisar de que estava no caminho errado, ou seja, pecando ao viver em uma relação homoafetiva,  Michael se afasta radicalmente de todos ligados a sua antiga vida. Não foi uma tarefa fácil, afinal, ficou casado com outro homem por muito tempo e desligar-se dele demandou muita força de vontade – praticamente uma mutilação emocional. Um aspecto interessante na trama é que muitos como ele, inicialmente, não querem estar presos a algum tipo de rótulo. Desejam ser tudo ao mesmo tempo ou uma coisa a cada fase sem que uma escolha delimite o que pode ou não ser gozado. Até então isso não desqualificava a opção do outro. Mas o que ele vem a fazer, no momento seguinte, é execrar a homossexualidade, numa cruzada cristã, sendo taxativo que (o seu) Deus não aceita tal caminho, negando toda trajetória anterior à sua conversão.

Eu sou Michael mexerá com os brios de qualquer ativista gay, simpatizante da causa ou, ainda, com aqueles que acreditam que religião pode sim abraçar de forma plena qualquer um independente de sua sexualidade. James Franco dá conta de dar voz ao seu personagem Michael, na medida, em uma atuação que não compromete. Zachary Quinto está muito à vontade na história como um coadjuvante de luxo no papel de marido abandonado, ora resignado, ora revoltado com as declarações públicas de seu ex. 

Com uma direção titubeante e roteiro pouco inspirado, o filme, para uma parcela de espectadores, certamente irá parecer um desserviço a todos os jovens homossexuais que passaram pela chamada “terapia de conversão” e ministérios de “ex-gay”, conseguindo manter seus desejos e sexualidade intactos, resistindo à ideia de que seriam condenados ao inferno por não cederem à heteronormatividade.

(Filme assistido no 17º Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro na Mostra Panorama do Cinema Mundial).

:: FICHA TÉCNICA

Título Original: I am Michael
Roteiro: Justin Kelly, Stacey Miller, Benoit Denizet Lewis
Direção: Justin Kelly
Elenco: Emma Roberts, James Franco, Zachary Quinto.
Gênero: Drama
Duração: 98 min

Giselle Costa Rosa

Integrante da comunidade queer e adepta da prática da tolerância e respeito a todos. Adoro ler livros e textos sobre psicologia. Aventuro-me, vez em quando, a codar. Mas meu trampo é ser analista de mídias. Filmes e séries fazem parte do meu cotidiano que fica mais bacana quando toco violão.
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