Crítica de Filme | Godzilla

Pedro Lauria

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15 de maio de 2014

Apesar de desmerecidos por muitos, o cinema de monstros sempre teve um papel antropológico forte – e amplamente estudado – de expressar os medos que assolam a sociedade contemporânea. Em um estudo interessantíssimo, por exemplo, descobriu-se que a incidência de filmes de zumbi nos EUA aumenta quando há um presidente Republicano e o mesmo acontece com filmes de vampiro, quando há um Democrata no poder.

Basta traçarmos um paralelo entre as características desses monstros e o estereótipo dos militantes desses partidos para perceber a verdade dessa afirmação: republicanos geralmente são vistos como “ignorantes” que vivem em rebanho, já os democratas, são percebidos como libertinos e (a favor dos) estrangeiros. Tal qual suas contrapartes monstruosas. Como não podia deixar de ser, o Godzilla original, de 1954, também reproduz um fortíssimo comentário político e social por trás da sua natureza “trash”: um monstro de origem radioativa, criado pelos norte-americanos, e que arrasa por completo algumas cidades japonesas… lembra alguma coisa? Talvez algo que aconteceu 9 anos antes?

Sendo assim, um dos pontos éticos mais importantes que o remake americano deveria tratar, era a adaptação e atualização das críticas feitas pelo filme original. Em outras palavras, seria um atentado fazer de Godzilla um Independence Day, que consagrasse o militarismo norte-americano em detrimento dos danos causados aos japoneses. Porém, o competente filme de Gareth Edwards (do peculiar, Monstros) e do roteirista estreante Max Borenstein acerta ao elevar o tom heroico dos soldados americanos em comparação a quase completa inutilidade de suas ações. E mais do que isso: um dos maiores problemas a serem resolvidos no terceiro ato, é “um tiro no próprio pé” dado pelo próprio exército, e que nada tem a ver com as criaturas gigantes. Falando nelas…

Se o filme é respeitoso na medida certa com a obra original no sentido político, o mesmo pode se falar de sua mitologia. Todos os fãs dos filmes originais podem ficar tranquilos quanto a manutenção de certas peculiaridades – desde dos poderes e da dimensão do lagarto, até as outras criaturas presentes naquele universo. Inclusive, em um das referências mais fantásticas, somos apresentados a um garoto assistindo na TV uma luta entre monstros gigantes, no melhor estilo Tokusatsu/Power Rangers.

Ao falarmos da presença onipotente de um lagarto colossal, precisamos bater palmas para Borenstein por criar um roteiro análogo a Tubarão, em que a criatura só é apresentada no 2º ato do filme, e sempre de maneira sutil, até revelá-lo em toda sua imensidão. Essa estratégia, além de gerar suspense, permite que sejamos apresentados a toda justificativa biológica/científica (suficientemente convicente) para a presença daquelas criaturas, antes mesmo de sermos apresentados a elas.

Saindo um pouco dos aspectos de direção e roteiros, outros dois pontos precisam ser destacados. O primeiro ponto é o casting: ao incluir uma série de nomes ilustres (Sally Hawkins, Ken Watanabe, Julliete Binoche, Bryan Cranston, Elizabeth Olsen), o filme cria uma falsa aura de “segurança” nos deixando crer que todos permanecerão são e salvos até o final. Ao descobrirmos que não é bem isso que acontece, passamos a temer por todos os personagens. Ainda no assunto, vale cita que Aaron Taylor-Johson, de Kickass, encaixa no papel de protagonista, sem comprometer. O segundo ponto é o incrível design sonoro: ignorando a escola Michael Bay de cinema, a presença do silêncio e dos zumbidos agudos, cria uma atmosfera de medo que acaba por intensificar o poder das explosões e dos rugidos.

Todas essas qualidades fazem com que os dois maiores problemas do filme não sejam tão fatais assim. Falo de sua estrutura completamente convencional (com todas as etapas da jornada do Herói e clichês Hollywoodianos presentes) e da abundância de sideplots completamente inúteis que só inflam a narrativa, sem adicionar peso dramático a mesma. Destaco o plot do hospital (muito similar ao presente em O Espetacular Homem Aranha 2) e a do menino japonês no metrô.

No fechar das cortinas, o filme se destaca da mediocridade de outras obras do gênero e acaba por se configurar como uma boa pipoca e sem deixar de ser artisticamente relevante – principalmente em sua direção afiada. Dessa forma, Godzilla se coloca como um blockbuster de primeira linha. Ps. A abertura, que começa em Darwin e vai até os testes nucleares no atol de Bikini é primorosa. Não perca.

BEM NA FITA: Fotografia e Design visual inspirados; Design de som e direção afiadas; Roteiro respeitoso ao filme original; Planos abertos e uma boa montagem possibilitam acompanhar os acontecimentos e a geografia da ação

QUEIMOU O FILME: Pontual queda de ritmo no final do primeiro ato; Estrutura narrativa convencional

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FICHA TÉCNICA

Direção: Gareth Edwards Roteiro: Max Borenstein Elenco: Aaron Tyler-Johson, Bryan Cranston, Ken Watanabe, Elizabeth Banks, Sally Hawkins e Julliete Binoche Música: Alexandre Desplat Fotografia: Seamus McGarvey Montagem: Bob Ducsay

Pedro Lauria

Em 2050 será conhecido como o maior roteirista e diretor de todos os tempos. Por enquanto, é só um jovem com o objetivo de ganhar o Oscar, a Palma de Ouro e o MTV Movie Awards pelo mesmo filme.
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