Crítica de Filme: “Jack – O Caçador de Gigantes”, por Pedro Lauria

Pedro Lauria

Enquanto os créditos de Jack – O Caçador de Gigantes se levantavam, dois pensamentos perambulavam em minha cabeça: uma certeza e uma dúvida. A certeza de que esse será o filme que usarei como exemplo, a partir de agora, sempre que for falar de tudo de errado que existe no cinema hollywoodiano atual.

Já a dúvida era mais lúdica: “Será que Bryan Singer, assim como M. Night Shyamalan, sofre da síndrome de Benjamin Button?”. Só assim é possível explicar como, em um intervalo de vinte anos, um diretor tenha ido de Os Suspeitos, passando por X-Men 2, até a preciosidade em questão.

Sejamos sinceros – não se trata de um filme inassistível. Porém, Jack – O Caçador de Gigantes é uma obra tão preguiçosa e sem capricho, que era preferível ter visto “tentativas frustradas” de fazer algo interessante, do que o poço de mediocridade que nos é apresentado.

Por esse desrepesito com o espectador, vou fazer um protesto: me recusarei a escrever uma crítica sobre o filme. Ao invés disso, vou me utilizar desse espaço para escrever uma fábula.

“Era uma vez um roteirista que teve uma ideia.

Vou fazer a atualização de um conto de fadas” pensou.

Mas qual?” perguntou um amigo.

Sei lá… Branca de Neve já está batido. Ah, já sei. João e o Pé de Feijão!” concluiu, nosso querido roteirista*

*A partir de agora chamarei ele de Shakespeare.

Shakespeare, extremamente animado pel ideia genial, que acabara de brotar de sua mente, procurou por mais dois roteiristas. Afinal, um roteiro como esse, só poderia ser escrito a seis mãos. Foi quando ele achou Charles Dickens** e Ernest Hemingway**, e juntos se puseram a escrever.

** Nomes fictícios

Bom, como todo bom filme, precisamos de um par romântico” refletiu Dickens.

Verdade” concordou Hemingway que em um frenesi criativo acrescentou “Se João, ou melhor Jack, é um garoto pobre, porque não fazer de seu par uma garota rica?

Uma princesa, talvez?” proclamou Shakespeare

Genial!” concordou Dickens, “Com isso podemos fazer diversos paralelismos entre a condição social de ambos… Imagina uma cena em que ela diga algo nos moldes – “Você sabe muito sobre a terra, enquanto eu, simplesmente sou a dona” após uma cena arbitrária em que o garoto cure um pequeno ferimento com um pedaço de folha.

Que coisa linda” disse Hemingway

E que tal fazermos esse paralelo durante todo o filme? Quer dizer… Podemos começar o roteiro com os dois deitados na cama, ouvindo de entes queridos, a história do Pé de Feijão” explicou Shakespere

F-A-N-T-Á-S-T-I-C-O” emitiu Dickens empolgadíssimo, “Inclusive seria legal se utilizar da montagem para criar várias cenas em que os dois estão em lugares diferentes, mas parecem completar o diálogo um do outro“.

Claro! Dessa forma vai ficar bem claro como os dois se complementam. Vamos bater tanto nesses paralelismos e referências que até mesmo se escolhermos dois atores inexpressivos – incapazes de gerar química, ou mesmo de fazer uma piadinha – o espectador terá certeza de que ambos se amam” completou Hemingway

Ok, mas como ele se conhecem?” questiona Shakespeare

Sei lá. Joga o dado de clichês e vê no que vai dar.” propõe Dickens

“Deu cinco. O que está escrito aí?” perguntou Hemingway

“Princesa foge do castelo para assistir, escondida sob um capuz, uma peça de teatro. Lá, ela é agredida por locais mas é defendida por um garoto. Eles se apaixonam. A guarda real aparece e é revelado que ela é uma princesa.” diz Shakespeare, lendo com dificuldade a Tabela de Clichês Aleatórios.

É, eu acho que funciona. Mas e o drama de cada personagem?” pergunta Dickens.

“Bom… pro Jack eu acho irônico colocá-lo com medo de altura… afinal, ele vai ter que subir um pé de feijão!” filosofa Hemingway

É assim que se lida com medo de altura. Chupa James Stewart.

É assim que se lida com medo de altura. Chupa James Stewart.

Pô… mas eu já tinha escrito várias cenas em que Jack se equilibra por alturas enormes… Inclusive uma em que ele pula do pé de feijão segurando um cipó com apenas uma mão!” protesta Dickens

Os dois começam a se estranhor. Em meio a tal insolucionável dilema, estava claro que apenas uma das ideias poderia permanecer no filme. Ou Jack teria medo de altura, ou ele faria suas acrobacias sem medo. Quer dizer, isso se não fosse pelo nosso grande escritor britânico.

Bom, pra ninguém ficar triste, estabelecemos que ele tem medo de altura, mas isso não é mais citado a partir da segunda metade do filme. Assim, as cenas do Dickens ficam mantidas” propõe Shakespeare

Nesse momento Charles Dickens, anuncia que vai procurar algo para comer, e sai do cômodo.

Esse Dickens é um esfomeado… Bom, e o drama da garota?” pergunta Hemingway.

“Pensei em algo extremamente criativo. Estabelecemos que ela perdeu a mãe, por isso que o pai, um exemplo perfeito de monarca, é superprotetor” responde Shakespeare

Putz. Imagina um diálogo, com música triste de fundo, no qual o rei diga que o dia mais triste de sua vida foi quando a rainha morreu…” pensa Hemingway

“Já estou até chorando por conta” diz Shakespeare limpando as lágrimas.

Próximo item da lista… Alívio cômico.

“Caramba… Escrever mais um personagem? Já não bastam os personagens desnecessários do Ewan McGregor e do Stanley Tucci?”

Já sei, adiciona uma cabeça engraçada no vilão.

Um gigante de duas cabeças?

É.

Excelente ideia! Mas… eu não estou inspirado pra escrever diálogos engraçados.

Também não… Bom, vamos deixar uma cabeça mongolóide, que só emite sons e enverga os olhos.

Ótimo.

HAHAHAHAHAHAHA GENIAL! Ele tem um cabeça retardada! Entenderam? Uma cabeça retardada!

HAHAHAHAHAHAHA GENIAL! Ele tem um cabeça retardada! Entenderam? Uma cabeça retardada!

Mas porque os gigantes são vilões?

Eles são gigantes!

Ok, mas qual é o motivo deles odiarem os humanos?

Quem precisa de motivos? Eles comem meleca, peidam, arrotam… Criaturas nojentas não precisam de motivos para serem más.

Verdade.

Agora só falta criar a ambientação.

Pra que isso? A gente coloca uns efeitos especiais toscos pra criar os gigantes, se baseia em Hogwarts pro cenário e usa uma trilha parecida com a do Senhor dos Anéis pra finalizar.

Gostei.

E o diretor?

Hein?

O diretor.

Sei lá, não existe um programa automático pra direção não?

Não, mas tem aquele Bryan Singer.

Quais foram os últimos filmes dele?

Operação Valquíria e Superman Returns.

Vai ser ele mesmo.

Sorrindo, os dois escritores se abraçam, quando Dickens aparece visivelmente embriagado.

A cena final! Eu (soluço) sei o que (soluço) fazer!

Deixa eu adivinhar, Dickens. Envolve uma referência desnecessária ao mundo real?” pergunta Shakespeare

Como você sabe?” questiona o pudim de cachaça do Dickens

E então, um clarão ilumina o cômodo. A figura estóica de um Anjo aparece para os três amigos.

Os Deuses do cinema querem ter uma conversinha com vocês.” diz a criatura mágica.

Já era. Acabei de enviar o roteiro pra Warner“. fala Shakespeare envergonhado

Bom, sem problemas… não é como se ele fosse liberar mais de 20 milhões pra fazer essa porcar…” disse o Anjo

195 milhões” interrompe Shakespeare

O que?!” grita, o anjo indignado

Liberaram 195 milhões para fazer o filme” responde Shakespeare

Nesse momento o anjo cai com enfarto fulminante. Dickens e Hemingway brindam com champagne barata. Sem saber o que fazer, Shakespeare cheira o próprio dedo.

Fim.

MORAL DA HISTÓRIA: Em terra de gigantes, quem não vai ao cinema é rei.

FICHA TÉCNICA:
Diretor: Bryan SingerElenco: Nicholas Hoult, Stanley Tucci, Bill Nighy, John Kassir, Ewan McGregor
Produção: Neal H. Moritz, David Dobkin, Patrick McCormick
Roteiro: Christopher McQuarrie, Darren Lemke, Dan Studney
Fotografia: Newton Thomas Sigel
Trilha Sonora: John Ottman
Duração: 114 min.
Classificação: 10 anos

Pedro Lauria

Em 2050 será conhecido como o maior roteirista e diretor de todos os tempos. Por enquanto, é só um jovem com o objetivo de ganhar o Oscar, a Palma de Ouro e o MTV Movie Awards pelo mesmo filme.
NAN