Crítica de Filme: Lincoln

Pedro Lauria

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22 de fevereiro de 2013

Lincoln me fez refletir. Não sobre o caráter de um homem, nem sobre a escravidão ou o preconceito. Lincoln me fez refletir sobre a discussão entre gênero e cineasta. Como pode um diretor que me fez descobrir o cinema, através de Tubarão, Indiana Jones e Jurassic Park, pode estar a frente de projetos tão medíocres quanto Lincoln e Cavalo de Guerra? Teria ele perdido seu tato? A animação As Aventuras de Tintin prova que não. O que aconteceu, afinal?

Porém, voltemos a esse assunto daqui a pouco. Falemos um pouco do filme em si. Lincoln trata do período mais importante da vida do mais famoso presidente norte-americanos: a época da votação da 13ª Emenda – que definiria a abolição da escravatura. E vamos tirar logo a pedra do meio do caminho. Esse drama histórico, que concorre a 12 Oscars, justifica sim um grande número de indicações ao recriar a época fazendo se valer de figurinos, direção de arte e cenografia historicamente apuradas.

Outro ponto que precisa ser citado, é o roteiro de Tom Kushner. Tal como fez em Munique, mas em um tom bem mais baixo, ele não foge da crítica política. Seu roteiro não se incomoda em mostrar que os subornos e ameaças foram estratégias, por diversas vezes, mais eficazes que o debate e a discussão franca. Além disso, é natural que, sendo Lincoln republicano, ele permita que paralelismos entre a postura libertária do presidente e o atual conservadorismo do partido sejam traçados pelo espectador.

Outro ponto alto que precisa ser citado, é a atuação de Daniel Day-Lewis, um dos melhores atores da atualidade, que emprega um estilo de atuação que deixa claro sua inteligência como profissional. Ao invés de se travestir de trejeitos over the top, ele opta por uma atuação comedida, apresentando certas fragilidades do homem por baixo do chapéu (uma oposição a forma como encarnou o maravilhoso Daniel Plainview de Sangue Negro). Entretanto, ao seguir por esse caminho, ele ajuda a evidenciar o maior problema da obra: a necessidade de Spielberg em criar um mito.

O Lincoln de Spielberg conta histórias que mais parecem parábolas, todas, é claro, acompanhadas de músicas edificantes e luzes os destacam em meio aos seus vários seguidores, cujos olhos só faltam brilhar diante da sabedoria ali contida. Junte a isso a necessidade de resgatar a referência icônica a ao Lincoln como conhecemos, e temos como resultado um figura lendária, que ressalta no espectador um sentimento de admiração, deixando de lado a identificação.

O perfil icônico de Lincoln aparece diversas vezes durante a projeção.

Pedras serão atiradas pela afirmativa que vem a seguir, mas a falta de sutileza do diretor com o material é notável. Alguns exemplos são as sequências que destoam do tom da narrativa, como quando dois personagens correm pelos campos e executam ações de forma cômica (e com uma música engraçadinha); além da necessidade de Spielberg de recorrer por diversas vezes ao melodrama sem motivos: seja mostrando pilhas de membros amputados, ou estender o filme em alguns minutos além do que deveria, deixando para trás um final que seria elegante e extremamente satisfatório, na busca por algumas lágrimas a mais.

Por outro lado, há de se destacar a importância dada ao personagem de Tommy Lee Jones, Thaddeus Stevens, que contrabalanceia a obra, emprestando um pouco de humanidade e complexidade que ela tanto precisa. Dessa forma, não é surpreendente constatar que o melhor diálogo do filme seja entre Stevens e sua mulher, no terceiro ato da projeção.

E aqui volto a discussão que iniciei no primeiro parágrafo. Os problemas apresentados por Spielberg se assemelham muito aos problemas de Cavalo de Guerra, O Terminal, e em menor grau, A Lista de Schindler e o Resgate do Solado Ryan. Não é o Spielberg que mudou. Foram seus filmes.

O Lincoln do diretor apresenta o mesmo caráter mítico do ET, de E.T. – O Extraterrestre, a integridade moral de Brody, de Tubarão e o caráter de homem a frente do seu tempo de Roy, de Contatos Imediatos de Terceiro Grau. Características que se repetem em toda a sua filmografia. Porém, a verdade é que aceitamos esses personagens sem falhas morais apenas em filmes de aventura e ficção. Não em dramas.

Constantemente destacado, Lincoln é um herói dentre os mortais.

Spielberg é consistente com sua visão de mundo heróica, repleta de homens que se sacrificam pelo ideal do bem comum (sendo Munique a grande exceção que justifica a regra). O problema é que isso funciona em As Aventuras de Tintin, onde a retidão moral do protagonista não nos atrapalha, uma vez que ele não é o foco, mas os eventos que motivam a narrativa. Já o mesmo não pode ser falado em um drama de personagem, onde a complexidade e as várias camadas que o formam são o grande destaque.

Talvez seria mais correto afirmar que o Lincoln de Spielberg não se trata de uma cinebiografia, mas sim de uma fábula. Porém, em uma época em que as platéias pedem superheróis densos, com falhas e ambiguidades morais, a visão romântica de Spielberg parece estar deslocada. Pois se como ser humano Lincoln não convence, como mito seria mais interessante vê-lo em situações mais inusitadas… como caçando vampiros.

Nah…
BEM NA FITA: Recriação competente da época; Atuações críveis.
QUEIMOU O FILME: Excesso de melodrama; Mitificação do protagonista.
FICHA TÉCNICA:
Diretor: Steven Spielberg
Elenco: Daniel Day-Lewis, Sally Field, David Strathairn, Joseph Gordon-Levitt, James Spader, Hal Holbrook, Tommy Lee Jones, John Hawkes, Jackie Earle Haley, Bruce McGill
Produção: Steven Spielberg, Kathleen Kennedy
Roteiro: Tony Kushner, John Logan, Paul Webb, baseado na obra de Doris Kearns Goodwin
Fotografia: Janusz Kaminski
Trilha Sonora: John Williams
Duração: 153 min.
Ano: 2012
País: EUA, Índia

Pedro Lauria

Em 2050 será conhecido como o maior roteirista e diretor de todos os tempos. Por enquanto, é só um jovem com o objetivo de ganhar o Oscar, a Palma de Ouro e o MTV Movie Awards pelo mesmo filme.
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