Crítica de Filme: Noé

Pedro Lauria

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3 de abril de 2014

Desde Pi, para os mais cinéfilos, ou de Réquiem para um Sonho, para os apreciadores da 7ª arte, ou mesmo de Cisne Negro, para todo o resto da população, Darren Aronofsky se destacou como um dos grandes diretores do novo século. Não conheço uma alma que não se animou com os rumores de que ele seria o diretor de Wolverine Imortal… e provou que não foi à toa.

Por tais motivos, criaram-se diversas expectativas acerca do seu primeiro blockbuster – Noé, um filme com custos extremamente robustos (120 milhões apenas em produção). Seria Aronofsky capaz de superar as pressões de produtores e fazer um filme de relevância artística? Teríamos um épico bíblico da relevância de Os Dez Mandamentos?

A resposta infelizmente é não. Apesar de alguns momentos inacreditavelmente belos, que serão apontados mais a frente, o filme não conseguiu escapar de uma estrutura narrativa genérica,  jovens estrelas de Hollywood em interpretações bem fracas, e uma série de furos de roteiro de proporções gigantescas. Porém, começaremos pelo problema mais grave da película: o fantasma de Ridley Scott assola toda a obra.

Seria essa uma cena de Gladiador ou de Noé?

Seria essa uma cena de Gladiador ou de Noé?

E não falo do homem que dirigiu Alien, Blade Runner ou Thelma e Louise. Mas do ser que dirigiu Robin Hood, Prometeus e Conselheiro do Crime. O filme a todo momento berra, em sua estrutura, uma cópia em roteiro e narrativa, do supracitado Robin Hood e, consequentemente, de Gladiador. Engana-se você, entretanto, se pensa que tal referência se dá única e exclusivamente pela presença de Russel Crowe na película – o filme é recheado de momentos que se tornaram típicos neste tipo de filme: até mesmo se valendo do artifício do vilão que profere indignas palavras e testa o caráter do protagonista. Sim, em uma história sobre Noé. Essa estrutura contamina o filme de tal forma, que (spoiler de uma história de mais de 2000 anos, conta?) até terminar com um plano aberto, captando a paisagem, enquanto a música edificante sobe, o filme faz. A única diferença para Gladiador, é que a Enya não está presente desse vez. Ou seja, infelizmente Aronosfky, que nos deu finais emblemáticos em obras com Réquiem para um Sonho, O Lutador e Cisne Negro, aqui, dá lugar a mediocridade narrativa.

Se a estrutura, por si só é extremamente problemática, o que falar dos absurdos furos de roteiro? Furos simples, mas que chamam atenção pelo escopo: como explicar, por exemplo, que um incenso que faz elefantes hibernarem, não terem o mesmo efeito com seres humanos? Entretanto, um furo e em especial, acaba por jogar toda a narrativa por água abaixo: em um determinado momento, Noé diz que precisará matar uma pessoa, pois a existência dela em um mundo pós dilúvio, seria contrário a vontade divina. Muito justo. Porém, matar essa pessoa, em nada mudará o panorama que o protagonista tanto teme, se outra pessoa não for assassinada antes. Chega a ser elementar, e faz com que todo o questionamento do protagonista em executar essa ação, seja jogado por terra.

Bom, chega de problemas, certo? Errado. Apesar de ser subjetivo, uma vez que vi alguns críticos defenderem as atuações, não consigo deixar de perceber que os atores jovens comprometem momentos chaves, não conseguindo passar a verdadeira intenção do personagem e nem gerar o mínimo de carisma, para que eu me identifique com eles. Jennifer Connely e Russel Crowe, por sua vez, não comprometem, mas não se esforçam em criar nenhum personagem memorável. O mesmo não pode se falar de Anthony Hopkins, que com poucos minutos de tela, e quase nenhuma importância narrativa (apenas trazendo a tona um deus ex (ou seria melhor, “in”?) machina covarde).

O filme tem momentos fantásticos. Pena que são curtos.

O filme tem momentos fantásticos. Pena que são curtos.

Continuando com os problemas, é necessário falar dos efeitos especiais. Apesar de fabulosos no que se diz a reconstrução da arca e do dilúvio, o modelo dos animais e dos recém nascidos chama a atenção de tal forma, que beira a vergonha alheia. Muito mais interessante, ao menos, é a escolha da animação usada para criar os Golems, em um design que homenageia o mestre Ray Harryhausen, responsável por efeitos em stop motion de filmes como Jasão e os Argonautas e Fúria de Titãs (o original). Tal opção, ressalta o sentimento de estranheza e imobilismo passado pelas criaturas.

E se, mesmo com 120 milhões, os efeitos especiais não são lá essas coisas, o mesmo não pode ser falado do design de arte da produção. Apesar do figurino, que por vezes se mostra simples e com pouco potencial para a inovação, a direção de arte é fantástica, trazendo toda uma personalidade “Mad Max” ao filme. A decisão em não se taxar por uma precisão histórica (afinal, o dilúvio é a desculpa perfeita pra se dizer que toda a tecnologia antiga foi perdida) – abriu precedentes para a criação de um mundo deveras interessante. Mais importante, o design de arte se utilizou da narrativa para nos criar um sistema de pista e recompensa muito bem feito. Perguntas como, o porquê dos Golens terem dois braços extras ou ainda, qual o motivo das terras “más” serem negras, são respondidas de forma natural a história, sem nunca serem levantadas de forma artificial pelos personagens.

Compreender o porque das terras amaldiçoadas serem queimadas é um dos momentos mais interessantes da obra.

Compreender o porque das terras amaldiçoadas serem queimadas é um dos momentos mais interessantes da obra. Além disso, fica claro em todo o percurso da película, um subtexto ambientalista, tal como retratado na imagem acima.

Por se tratar de um filme sobre um evento bíblico, se torna impossível não comentar a mensagem da obra, e já posso adiantar que ela não é exatamente o que você está esperando… Digo, o personagem de Noé, apesar de alguns preceitos nobres, por vezes toma decisões monstruosas e assassinas, se mostrando um personagem detestável. Justificando tudo como, parte da justiça divina, o personagem Noé, é um claro reflexo de como o fanatismo religioso pode se esconder sob o escudo da fé. Além disso, o “Deus” retratado em Noé é o do Antigo Testamento, então, mesmo suas decisões benevolentes são moralmente discutíveis, e, por diversas vezes situações extremas e cruéis são causadas por escolha divina. Nesse ponto, Aronofsky faz muito bem o trabalho em mostrar a crueza daquela ser mítico, sem nunca ignorar ou dar leveza ao genocídio criado por ele. Para coroar, ao falar tanto de Adão e Eva quanto de evolução, Noé mostra que está mais preocupado com a sua própria narrativa, do que servir como respaldo artístico a alguma religião em específico.

E se iniciei o texto, completamente desacreditado com o que Aronofsky produziu, finalizo dando relevância à algumas pequenas cenas. Cenas essas que acalentam minha esperança de que o diretor compreende a mediocridade da estrutura narrativa de seu épico, e por isso, em algumas sequências (geralmente envolvendo sonhos ou fábulas) que Aronofsky faz algumas das cenas mais poderosas e maravilhosas de suas carreiras.

E isso, apenas isso, me faz ter fé que ele não esteja virando um novo Ridley Scott.

Amém.

BEM NA FITA: Design de Arte inteligente; Protagonista complexo, embora detestável; Algumas cenas belíssimas

QUEIMOU O FILME: A estrutura narrativa medíocre; Péssimas atuações do elenco jovem; Furos de roteiro inaceitáveis; Efeitos especiais muito aquém de uma obra desse escopo

Confira o trailer:

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FICHA TÉCNICA:

Noé (Noah)
Gênero: Épico/Bíblico
Direção: Darren Aronofsky
Roteiro: Darren Aronofsky, John Logan
Elenco: Russel Crowe, Jennifer Connely, Anthony Hopkins, Emma Watson, Logan Lerman e Ray Winstone
Produção: Darren Aronofsky, Scott Franklin, Ric Kidney e Mary Parent
Fotografia: Matthew Libatique
Duração: 139 min
Ano: 2014
País: Estados Unidos

Pedro Lauria

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