Crítica de Filme | O Abutre

Bruno Giacobbo

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16 de dezembro de 2014

Existe uma enorme gama de filmes que mostra a rotina do ofício jornalístico. Muito antes de me tornar um crítico, como jornalista sempre gostei deste subgênero cinematográfico. No entanto, os principais títulos tendem, normalmente, a mostrar a profissão de forma glamourizada e romântica. Obras como “Cidadão Kane” (1941) ou “Rede de Intrigas” (1976), por exemplo, retratam a vida do dono de um complexo midiático e de um badalado âncora televisivo. Acontece que a realidade não é bem assim. Para cada Charles Kane e Howard Beale há um ilustre desconhecido, em uma redação ou na rua, disposto a qualquer coisa por um pouco de sucesso.

O Abutre, no original Nightcrawler, algo como ‘rastreador noturno’, do diretor estreante Dan Gilroy, traz a história de Louis Bloom (Jake Gyllenhaal), um jovem desempregado que sobrevive de pequenos furtos praticados no calar da noite da Grande Los Angeles. Em uma destas incursões noturnas, ele descobre que existem pessoas que ganham dinheiro filmando tragédias e negociando com a emissora de televisão que pagar mais. Só que ‘Lou’ não é homem de se contentar com migalhas. Ambicioso, louco, um sociopata sem empatia ou compaixão por ninguém, em meio a este bando de abutres, ele desejará o maior pedaço da carniça.

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Com a câmera mostrando as tragédias, quase sempre, através da perspectiva do cinegrafista, a imagem por vezes tremida, fruto da corrida desenfreada pelas ruas da metrópole, somos inseridos no cerne da ação. Logo, sem darmo-nos conta, estamos sob a pele do protagonista e, da mesma maneira, começamos a sentir também o cheiro de adrenalina e de sangue que exala da catástrofe que se avizinha na esquina seguinte. Somos autênticos abutres a espera da próxima cena estarrecedora deste thriller alucinante, dotado de um humor caustico, igualzinho ao de seu personagem principal.

Em sua primeira experiência como cineasta, Gilroy se alinha a Quentin Tarantino como um realizador que não usa a violência impunemente. Ela é parte fundamental da trama e não mero recurso estilístico utilizado com o intuito de chocar. As tais cenas estarrecedoras são de importância ímpar na hora de convencer o público da existência de profissionais como Bloom e de sua completa falta de moralidade ou respeito à vida. Não que os Kanes e Beales não sejam capazes de atos sórdidos, talvez a sordidez destes seja mascarada pelo glamour de suas funções. Inclusive, há um tipo assim no filme, a editora vivida brilhantemente pela atriz Rene Russo.

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De nada adiantaria a maestria do diretor e as técnicas utilizadas, se Gyllenhaal não tivesse captado com perfeição o espírito de homens como ‘Lou’. Dez quilos a menos, olhos esbugalhados e sempre com um sorriso cínico para as horas mais absurdas, ele assusta. E fascina. Inicialmente, é impossível resistir ao seu charme. Indicado ao prêmio de melhor ator no próximo “Globo de Ouro”, este é até agora o melhor trabalho de sua carreira.

O Abutre é um misto de crítica à imprensa marrom, doida por uma história que aumente a audiência ou a venda de jornais, e um alerta em relação à existência de pessoas com Louis ‘Lou’ Bloom. Há sociopatas em todos os lugares e se atravessarmos seus caminhos, provavelmente, estaremos tendo o pior dia de nossas vidas. É também um aviso poderoso em relação àquela velha máxima de que o bem sempre vence o mal e, principalmente, um filme contundente que povoará nossos pensamentos por dias a fio.

Desliguem os celulares e ótima diversão.

BEM NA FITA: A direção do estreante Dan Gilroy. O roteiro. A magnífica atuação de Jake Gyllenhaal. A fotografia… Tudo.

QUEIMOU O FILME: Nada.

FICHA TÉCNICA:

Direção e roteiro: Dan Gilroy
Produção: Jennifer Fox, Jake Gyllenhaal, Tony Gilroy e Michel Litvak
Elenco: Jake Gyllenhaal, Rene Russo, Riz Ahmed, Bill Paxton, Ann Cusack, Kevin Rahm, Kathleen York, Eric Lange, Jonny Coyne, Michael Hyatt, Michael Papajohn e Kiff VandenHeuvel
Montagem: John Gilroy
Direção de Fotografia: Robert Elswit
Trilha Sonora: James Newton Howard
País: Estados Unidos
Ano: 2014
Duração: 117 minutos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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