Crítica de filme: O Brasil Deu Certo. E Agora?
Alan Daniel Braga
O Brasil deu certo, mas ainda há muita coisa errada. Com abordagem épica, o filme começa pela conclusão e volta para contar a história do país do ponto de vista econômico. Na tela, três ex-presidentes da República, doze ex-ministros de Estado, sete ex-presidentes do Banco Central e especialistas em finanças como Roberto Setúbal, presidente do banco Itaú, e Alexandre Saes, professor de história econômica da FAE-USP. E logo nos primeiros momentos, o espectador tem a certeza de que há muita coisa errada, no Brasil e no filme.
O documentário é dirigido por Louise Sottomaior, mas foi idealizado por Maílson da Nóbrega, ministro da Fazenda do governo Sarney, que também é narrador no longa-metragem. A parceria entre argumentista e diretora vem desde a autobiografia ‘Além do feijão com arroz – Maílson da Nóbrega’. O ex-ministro aparece no sofá de um escritório e, em tom de conversa, abre o filme em meio a outros depoimentos. A tentativa é introduzi-lo de forma paulatina e coloquial para que a narração surja diluída. Assim, dados históricos de outras entrevistas podem ser aproveitados a favor da narração. Não funciona. Por mais que o espectador entenda o papel do ex-ministro no filme e desloque este papel dos demais, o que fica é a sensação de uma forte interferência da direção e certa perda da credibilidade. Perda que se acentua com a entrada do historiador Alexandre Saes, especialista que deveria dar a certificação dos fatos. De pé em uma biblioteca, roteirizado de forma dura e sem graça, o professor se transforma em apresentador do Telecurso 2000.
A primeira parte do filme introduz o problema econômico vivido pelo país desde os tempos do descobrimento até a Era Vargas. A exploração imperial, a dependência econômica, a política externa capenga, tudo é narrado e comentado com agilidade e a ajuda providencial da animação. A assimilação dos fatos parece não importar. O que vale é deixar claro que a nação tem problemas econômicos desde a chegada dos portugueses e que nunca houve estabilidade.
O segundo ato aborda as transformações da economia do período da ditadura militar até os dias de hoje. O viés econômico da ditadura, que trouxe desenvolvimento e posterior declínio, a realidade dos chamados anos perdidos, com a hiperinflação e a sucessão de planos fracassados, o confisco de Collor e a invenção do Plano Real, como grande salvador da economia. Uma leve pisada no freio diminui o ritmo do filme e os detalhes começam a ganhar mais importância. E é compreensível que este período recente tenha mais destaque não apenas pelas transformações, mas pelos depoimentos daqueles que as viveram. O que não é compreensível, no entanto, é que apenas eles estejam ali.
“O Brasil Deu Certo. E Agora?” perde a comunicação com o espectador por não trazer, em nenhum momento, a opinião, mesmo que dirigida, do cidadão comum. Não há depoimento de populares que tenham vivido os momentos de crise. Não há imagens de arquivo que ilustrem e tragam ao imaginário os momentos históricos. Tirando o professor em pose na biblioteca, não há também a figura de um especialista que não tenha participado ou se beneficiado politica ou economicamente dos governos citados. Não há outros economistas para explicar ou, quem sabe, discordar de alguma prática dos modelos de gestão, mesmo o neoliberal (que não é citado como tal). Não há, portanto, interação ou imparcialidade.
A impressão é de que o filme tenta o impossível: desvencilhar a política econômica da ideologia e dos interesses políticos. Como se, por todo tempo, o que temos são brasileiros pensando única e exclusivamente no controle econômico pelo bem comum da nação. O que quebra essa narrativa é o letreiro que informa a ausência de Lula e Dilma, que se negaram a dar depoimentos. O filme mostra que Lula não quer dar crédito aos adversários por uma política que ele criticou, mas seguiu à risca. E embora dê crédito ao ex-presidente e à atual presidente por algumas ações acertadas, incluindo o aumento da ‘partilha do bolo’ e durante a crise de 2008 – o termômetro da estabilidade nacional, não há como não perceber a influência direta das rixas partidárias na realização do filme.
Na conclusão do terceiro ato, vem a certeza de que o Brasil cresceu. As desigualdades socioeconômicas e a corrupção são citadas como uma realidade a ser combatida, mas não há muita profundidade nos discursos. E quanto mais cresce as mensagens de prosperidade e visões de um país cor-de-rosa, maior é a vontade do espectador de que o filme acabe logo.
O que fica é a justificativa de alguns políticos e administradores para seus atos no passado e a tentativa de mostrar que alguns monstros construídos pela história são humanos e tiveram seus motivos. No entanto, ao mostrar apenas o lado destes, o filme só colabora para o crescimento da imagem negativa. No mais, vê-se um passado tratado apenas por um viés e a esperança rasa e infantil em um futuro de mais glórias. O Brasil explorado e sofrido que venceu. E agora? Agora chegou ao topo do mundo. Chegou sua hora de dividir posto de liderança mundial, trocar de lado e ostentar. (“- Vai chegar a quarto do ranking” “- Vai ultrapassar a China!”). Um país economicamente evoluído, de certo. Mas que está longe de ser amadurecido.
OBS: Para não dizer que o filme passa indiferente, vale dizer que certos discursos são, no mínimo, curiosos.
BEM NA FITA: Um ou outro economista que ajuda a entreter e as animações, que trazem as gags e ajudam a dinamizar a montagem.
QUEIMOU O FILME: Todo o resto.
FICHA TÉCNICA:
Diretor: Louise Sottomaior
Gênero: Documentário
Produção: Brasil
Distribuição: Cultura Maior
Classificação Indicativa: Livre
Duração: 70 min.
Elenco: Alexandre Saes; Armínio Fraga; Delfim Netto; Dorothea Werneck; Ernane Galvêas; Fabio Giambiagi; Fernando Collor; Fernando Henrique Cardoso; Gustavo Franco; Gustavo Loyola; Henrique Meirelles; João Batista de Abreu; José Sarney; Luiz Carlos Bresser Pereira; Luiz Carlos Mendonça de Barros; Maílson da Nóbrega; Ozires Silva; Pérsio Arida; Pedro Malan; Roberto Setúbal; Roberto Teixeira da Costa; Ronaldo Costa Couto; Sérgio Amaral.
Estreia em São Paulo: 03/05
Estreia em outras praças: 10/05