Crítica de Filme | O Presidente

Bruno Lopes

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24 de outubro de 2014

Durante o Festival do Rio, pude assistir a última exibição de O presidente, do consagrado diretor iraniano Moshen Makhmalbaf. Reconhecido pela produção de obras instigantes e políticas, o diretor é tido como um dos expoentes do Novo Cinema Iraniano. Foi em meio a dúvida se havia de fato gostado do filme, que saí da sala do Estação Botafogo com algumas questões na cabeça, entre elas: Quais os limites do poder? Qual o limite da barbárie humana?

Não é a toa que ambos os questionamentos falam de limite, já que a obra traz para a tela, certos extremos de uma possível ditadura e o seu desmantelamento. Em um país imaginário do Cáucaso, vive um povo sob o jugo de um ditador, no mínimo caricato, que não poupa esforços em nome de afirmar o seu poder. Chamado de Vossa Majestade, por seus súditos e familiares, tem por hábito eliminar opositores com execuções sumárias, desviar verbas em benefício próprio, exagerar em luxos, entre outros caprichos.

Diante da tomada do poder por rebeldes, o ditador e seu neto de cinco anos não conseguem fugir a tempo, empreendendo uma fuga país adentro. Como saída, adota um disfarce de músico miserável, percorrendo diversos espaços entre aqueles viventes que costumava explorar em seu governo. Nesse caminho, o agora ex-ditador, se depara com experiências de choque em meio a barbárie de um mundo arrasado pela ditadura que liderava e uma recém revolução instaurada. Na suspensão do governo, o poder é alvo de disputa nas mais sutis relações humanas. Nesse sentido, o diretor consegue relativizar o papel do opressor, quando rebeldes que supostamente libertam o povo, mostram-se tão bárbaros quanto o ditador deposto.

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Em uma das sequências iniciais, temos uma brincadeira entre o ainda ditador e seu neto de cinco anos, a quem nutre grande afeição. Mostra então com gracejo, o seu poder, ao apagar e acender as luzes da cidade, arrancando risadas e olhos arregalados do menino. Essa sequência já antecipa o tom de uma tragédia com ares cômicos, que permeia todo o filme, em que a relação entre os dois personagens é trazida para o primeiro plano. É como se a dupla avô-neto trouxesse certa materialidade ao tempo, evidenciando o ápice anterior do governo e a sua derrota subsequente. Também nessa polaridade, é como se o pequeno trouxesse certa humanidade para o avô, que agora se vê perdido por entre as necessidades e imaginário infantis.
Moshen Makhmalbalf toca quando opta por travestir certas situações de barbárie com a comédia. Esse artifício cai de forma incômoda (não que isso seja ruim) e gera quase que uma risada culposa dos espectadores. Afinal, é possível rir da dor do outro sem parecer cruel ou irônico? Creio que os próprios personagens respondem, quando cantam ou rasgam o riso por entre dentes e rugas de expressão que evocam desespero, abandono e ausência. No entanto, é justamente aí que o diretor empenha belas sequências, que ao se encerrarem, ainda ecoam na cabeça.

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Em tempos de intensas discussões políticas no Brasil, com as atuais eleições, vejo debates intensos nas redes sociais, e o termo “ditadura” por vezes é utilizado irresponsavelmente por bocas em sua diversidade política. O Presidente escancara que nesse contexto extremo político, a barbárie é lugar comum. Seja na miséria gritante do povo da cidade imaginária, nas mortes por fome e execuções, no trabalho infantil banalizado ou no estupro quase naturalizado. Mas, se o filme e sua ditadura tocam, talvez seja porque a barbárie já permeia o nosso cotidiano, mais sutil e por vezes travestida com roupas e formas mais palatáveis. “O presidente” é portanto, uma caricatura, que se aproxima não apenas do contexto histórico efervescente do Cáucaso e do Oriente Médio, como também da nossa realidade. Sinto que de certa forma, a dor e o sofrimento conferem certa unidade ao que costumamos chamar de humano, independente do tempo e espaço. Afinal, lágrimas derramadas são sempre salgadas.
Ao sair da exibição, ouvi uma moça comentar “Nossa, não imaginava que o filme seria tão pesado”. Nesse sentido, talvez os limites do poder esbarrem nos limites da barbárie humana, e nesse ponto, a única leveza possível seja através de um riso frouxo, aquele famoso rir para não chorar, ainda que com alguma culpa.

BEM NA FITA: temática do filme, fotografia e atuações.

QUEIMOU O FILME: achei algumas – poucas – sequências cansativas.

TRAILER

FICHA TÉCNICA:

Título Original: The President

Diretor: Mohsen Makhmalbaf

Roteiro: Mohsen Makhmalbaf

Elenco: Dachi Orvelashvili, Misha Gomiashvili

Duração: 1h45min

País: Alemanha , França , Geórgia , Reino Unido

Bruno Lopes

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