Crítica de Filme: Pelo Malo

Giselle Costa Rosa

Pelo Malo, vencedor da Concha de Ouro de melhor filme no Festival de San Sebastian (Espanha), começa com planos abertos, mostrando uma realidade venezuelana muito parecida com a brasileira. Trânsito caótico, pobreza expoente. Ao decorrer do longa, somam-se mais dois elementos: o machismo opressor e a não aceitação do que é diferente do padrão “correto” de comportamento.

A diretora e também roteirista Mariana Rondón consegue com muita competência não focar apenas na situação de pobreza da personagem principal, e assim, explora as desigualdades humanas que vão para além, como o machismo e a homossexualidade. O roteiro tem como ponto de partida a vontade que Junior (Samuel Lange Zambrano), um menino de nove anos, tem de alisar o “cabelo ruim” para a foto do álbum de formatura de sua escola, visando ficar parecido com um cantor famoso. É o que basta para alimentar o conflito com a mãe, Marta (Samantha Castillo). Quanto mais Junior tenta melhorar o visual, mais ela o rejeita.

Somos colocados dentro de uma esfera catatônica junto com o personagem Junior. E, olhando de perto, a sua mãe também. A rejeição exposta verbalmente por ela dói na carne. Os atores Zambrano e Samantha fazem uma dupla boa. Demonstram sintonia e entrosamento nas cenas, principalmente nas mais doloridas. Percebe-se que entre mãe e filho há sim amor, mas um amor bruto. Para Marta o problema de seu filho é físico. Tenta de todo jeito arranjar uma cura ou buscar saber a causa do desvio do comportamento de Junior. Quando ouve do médico que seu filho é perfeitamente saudável, perde a esperança dele mudar e passa a agir de forma opressora, assim como o sistema age com ela, uma mulher solteira, pobre, desempregada e mãe de dois filhos.

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Junior, sua mãe e seu irmão.

Marta não se abate e vai à luta, tentando sobreviver com o mínimo de dignidade, não encontrando muita ajuda pela frente, apenas pessoas querendo tirar vantagem da situação ruim em que vive.  A verdade é que ela não tem muitas opções e isso faz com que se humilhe diante do sistema e da sociedade patriarcal imperante do lugar. Segue fazendo escolhas a fim de sair da condição de passar fome, esperando não ter que tomar uma decisão mais radical, como “vender” o Junior para avó, Carmen (Nelly Ramos).

Com sorriso largo, do alto de sua sabedoria adquirido pelos longos anos de vivência, Carmen sinaliza a Marta que Junior não irá mudar, colocando-se a disposição para cria-lo, aceitando-o como ele é. Nada disso é visto com bons olhos. Marta não se dá por vencida e segue podando as vontades de seu filho, sempre frisando que ele tem que se portar como macho.

Até que ponto uma criança vai para ter o afeto da mãe? Junior irá longe, se questionará e entrará em negação. O que para ele é tão natural, é visto pelos demais como desvio de conduta e totalmente inaceitável. Em seu terceiro filme, Mariana Rondón traça um panorama cultural e socioeconômico da Venezuela. E vai além, jogando no colo do espectador o questionamento da validade de seguir sendo o que se é ou se submeter às regras do jogo. É pesaroso para ambos os lados. Junior acaba sendo encurralado, cara a cara, com uma decisão dolorosa. Qualquer escolha trará dor, talvez não maior do que já se sente.

BEM NA FITA: o filme conseguiu costurar de forma competente a situação socioeconômica e cultural de um país aos seus personagens.

QUEIMOU O FILME: a história demorou um pouco a decolar.

TRAILER

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FICHA TÉCNICA:

Título: Pelo Mala
Direção: Mariana Rondón
Roteiro: Mariana Rondón
Fotografia: Micaela Cajahuaringa
Montagem: Marité Ugás
Música: Camilo Froideval
Elenco: Samuel Lange, Samantha Castilho
Produtor: Marité Ugás
Produção: Sudaca Films
Distribuição: Esfera Cultural
Classificação Indicativa: 16 ANOS

Giselle Costa Rosa

Integrante da comunidade queer e adepta da prática da tolerância e respeito a todos. Adoro ler livros e textos sobre psicologia. Aventuro-me, vez em quando, a codar. Mas meu trampo é ser analista de mídias. Filmes e séries fazem parte do meu cotidiano que fica mais bacana quando toco violão.
NAN