Crítica de Filme | Relatos Selvagens

Bruno Giacobbo

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23 de outubro de 2014

Antes de qualquer coisa, é preciso alertar o público brasileiro. Escrito e dirigido pelo cineasta argentino Damián Szifron, Relatos Selvagens é uma comédia. Contudo, não é uma comédia comum. É uma história, ou melhor, são seis histórias extremamente engraçadas, mas repletas de violência desmedida e com uma grande dose de tiradas politicamente incorretas que não estamos acostumados por aqui, mas que os portenhos veem toda hora na televisão, em seus comerciais bem mais ácidos do que os nossos. Resumindo: É humor negro da melhor qualidade. Dito isto, vamos em frente.

Produzido pelos irmãos Pedro e Augustin Almodóvar, este bizarro e hilariante longa-metragem, candidato da Argentina ao Oscar 2015, difere de outras obras com estrutura coral pelo simples fato de seus capítulos não se cruzarem em momento algum. Apesar de todos versarem sobre o mesmo tema (homens e mulheres que em situações cotidianas, levados ao grau máximo de frustração ou estresse, dão vazão às suas feras interiores e explodem), seus personagens não se conhecem e não há qualquer link entre eles. Outra diferença, esta mais importante, é que a pegada não cai também em momento algum. São quatro relatos brilhantes e dois excelentes.

Antes mesmo dos créditos, Relatos Selvagens traz a história de uma inusitada reunião em um avião de carreira. Poucos personagens, um flerte banal, uma conversa mole para boi dormir e algumas coincidências estranhíssimas. Estrelado por Darío Grandinetti, este é o menor relato, mas justamente um dos brilhantes. Um dos começos mais impactantes que já vi. No segundo capítulo, ambientado em uma lanchonete de beira de estrada, igualzinha àquelas que encontramos em filmes que mostram a Rota 66, duas funcionárias (Julieta Zylberberg e Rita Cortese) discutem se devem ou não colocar chumbinho na refeição de um cliente indesejado. Um bife a cavalo adquirirá contornos dramáticos para os expectadores mais impressionáveis.

Relatos Selvagens Meio2O grande astro do filme, Ricardo Darín, aparece apenas no quarto relato. Ainda assim, sua participação é magistral e para lá de satisfatória. O chefe de família e engenheiro especialista em implosões, Simon Fischer, faz o que muita gente boa gostaria de fazer, mas não tem coragem devido às questões legais e morais implícitas, quando se depara com a burocracia e a ineficácia dos serviços públicos que o impedem de chegar a tempo no aniversário da filha. Antes deste Don Quixote urbano, há uma engraçadíssima lição de como não agir no trânsito se quisermos conservar nossa integridade física. Entre todos os relatos, com certeza, este é o mais politicamente incorreto.

O bloco final traz uma história sobre corrupção e o que acontece quando um pai esmerado (Oscar Martinez) tenta livrar o filho da culpa de um atropelamento fatal; e outra sobre uma bombástica revelação em uma festa de casamento. Os recém casados, Ariel (Diego Gentile) e Romina (Érica Rivas), farão qualquer casal apaixonado pensar duas vezes antes do enlace. E se você tiver assistido recentemente Nick e Amy, em ‘Garota Exemplar’, a dúvida será ainda maior. No último relato, Rivas brilha intensamente e tem uma atuação que rivaliza com a de Darín.

Relatos Selvagens Meio1

Não apenas de ótimas atuações ou diálogos ácidos, inteligentes, presentes no excelente roteiro de Szifron, (bem cotado para o próximo Oscar), vive este violento pulp fiction filmado. Em todos os seus mínimos aspectos, Relatos Selvagens é uma obra-prima. Da montagem à fotografia, tudo funciona perfeitamente. No entanto, nada chama mais atenção do que a trilha sonora do compositor Gustavo Santaolalla, duas vezes oscarizado por ‘O Segredo de Brokeback Mountain’ e ‘Babel’, em 2005 e 2006. Na melhor comédia da temporada, a música tem a função de complementar e realçar, com absoluta perfeição, tudo que assistimos na telona. Impossível ficar indiferente a este filmaço. Salve o cinema argentino!

Desliguem os celulares e boa diversão.

BEM NA FITA: O roteiro com diálogos ácidos e inteligentes. Ótimas interpretações. Trilha sonora. Montagem. Fotografia.

QUEIMOU O FILME: Absolutamente nada.

FICHA TÉCNICA:
Direção, roteiro e montagem: Damián Szifron.
Produção: Pedro e Augustin Almodóvar.
Elenco: Ricardo Darín, Érica Rivas, Leonardo Sbaraglia, Oscar Martinez, Rita Cortese, Darío Grandinetti, Walter Donado, Julieta Zylberberg, Diego Gentile, María Marull, Monica Villa, César Bordón, Nancy Dupláa, María Onetto, Osmar Núñez, Germán de Silva, Diego Velázquez e Alan Daicz.
Trilha Sonora: Gustavo Santaolalla.
Direção de Fotografia: Javier Juliá.
Maquiagem: Marisa Amenta.
País: Argentina e Espanha.
Ano: 2014.
Duração: 122 minutos.

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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