Crítica de Filme | Spotlight – Segredos Revelados [#2]

Cadu Barros

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12 de janeiro de 2016

Em uma época onde o jornal impresso enfrenta uma crise sem fim e a imprensa vê a internet tomando seu espaço como principal propagadora de informação, um filme como Spotlight – Segredos Revelados funciona ao mesmo tempo como uma homenagem ao bom jornalismo e um alerta sobre a falta que ele poderia fazer caso desaparecesse da sociedade.  O diretor e roteirista Thomas McCharty constrói um suspense intrigante a partir de fatos ocorridos no início deste século em uma cidade importante dos EUA que acabaram repercutindo no restante do mundo e provocando uma das mais graves crises de todos os tempos na Igreja Católica.

Em 2001,  o jornalista judeu Marty Baron (Liev Schreiber) chega em Boston para comandar o jornal local e provoca uma verdadeira revolução na cidade ao delegar à equipe especial Spotlight, chefiada por Walter Robinson (Michael Keaton), a missão de investigar casos de pedofilia envolvendo sacerdotes da região. Graças ao trabalho de profissionais empenhados, como os repórteres Mike Rezendes (Mark Ruffalo) e Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams), vem à tona um escândalo envolvendo mais de setenta padres e quase todo o sistema judiciário do município.

A trama acompanha os percalços e dilemas dos jornalistas, que começam a perceber o real tamanho da influência da igreja católica na sociedade, e acabam tendo que arriscar suas carreiras e até mesmo a integridade física por um bem maior. Mas o maior acerto do roteiro é a maneira sóbria como apresenta o problema, sem nunca cair no sensacionalismo barato ou na discussão religiosa. Assim, quando uma das vítimas diz que sua fé está no eterno e não na humanidade, fica claro que o que está sendo colocado em cheque é a instituição Igreja Católica e não o cristianismo ou, mais especificamente, o catolicismo. E também é rechaçada qualquer correlação que possa ser feita equivocadamente entre pedofilia e condição sexual, algo que a mesma vítima faz questão de ressaltar. Pedofilia é uma doença e, principalmente, um crime.

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A direção é hábil também em nos fazer sentir realmente dentro da investigação, inclusive nos transportando à redação do jornal como se estivéssemos em meio àquele caos cotidiano que só quem já vivenciou consegue compreender completamente. E como um dos pilares do jornalismo é o trabalho em equipe, em Spotlight – Segredos Revelados não há um protagonista, embora o personagem de Michael Keaton seja o que apresente um dilema moral mais evidente. Tanto o elenco quanto os personagens são extremamente dependentes um do outro para o sucesso da empreitada, e todos possuem praticamente o mesmo tempo de tela. A química entre os integrantes da equipe é (e tem de ser) perfeita. É interessante também notar como Thomas McCharty confere certa lberdade aos intérpretes para que eles improvisem e emprestem certos maneirismos aos personagens, de maneira que tudo soa muito natural, já que os diálogos repletos de sutileza conferem uma atmosfera realista às cenas.

Após uma performance cheia de excessos e trejeitos no pretensioso e superestimado “Birdman”,  o carismático Michael Keaton surge aqui em uma interpretação bem mais contida, transmitindo toda a segurança e obstinação que o personagem possui sem precisar fazer caras e bocas ou alterar o tom de voz. Rachel McAdams adiciona mais uma personagem cativante ao seu rico currículo e coroa seu 2015 com louvor (meses antes ela já havia roubado a cena em poucos minutos no comovente “Nocaute”). O ótimo Liev Chreiber também apresenta uma performance contida cuja força reside nos olhares e pequenos gestos. Mas o destaque do elenco é o grande ladrão de filmes em Hollywood: Mark Ruffalo. É impressionante como todos os papéis coadjuvantes do ator acabam sendo mais marcantes que os protagonistas das produções em que ele participa. Aqui ele novamente esbanja carisma e constrói um jornalista exemplar em sua objetividade e persistência. Sua busca pela justiça é contagiante, e até mesmo quando, em certo momento, fica alterado e quase perde a razão, tendemos a ficar do lado dele, tamanha a identificação que acontece.

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Porém, nem tudo é perfeito em Spotlight – Segredos Revelados. Como o filme consiste em mais de duas horas de longos diálogos em ambientes fechados, a trilha sonora de Howard Shore insiste em tentar provocar tensão ao espectador, o que é totalmente desnecessário, pois o próprio tema e o teor das conversas já são angustiantes o suficiente. Às vezes, essa tentativa desesperada de transformar a obra em um thriller investigativo soa completamente patética, como quando ouvimos um tema de suspense em uma cena onde um dos jornalistas monta uma simples planilha no Excel. E isso acaba servindo apenas para notarmos que o filme é longo em demasia, o que acaba tornando o terceiro ato cansativo, mesmo contando com uma montagem dinâmica, bons diálogos e revelações surpreendentes.

A verdade é que Spotlight – Segredos Revelados possui uma linguagem muito mais televisiva que cinematográfica. Os planos adotados pelo diretor são completamente banais e burocráticos, com ênfases em closes, e a fotografia é bastante simples, com ambientes uniformemente iluminados tais como os vistos em séries de TV. É como se estivéssemos assistindo a um telefilme com astros renomados do cinema, como se tem aos montes hoje em dia.

Mesmo assim, o mais importante é que a mensagem deixada é forte e cada vez mais pertinente. Spotlight – Segredos Revelados é uma ótima ferramenta de reflexão para a sociedade e uma análise correta e imparcial sobre um problema social grave que deve ser evitado e combatido com urgência. Por isso, o filme acaba tendo uma importante função que o jornalismo sempre deveria exercer. Talvez por isso a obra esteja tendo tanto sucesso nas premiações. Não merece o Oscar (talvez merecesse um Emmy), mas pelo menos é muito melhor que o vencedor do ano passado.

FICHA TÉCNICA:

Gênero: Suspense
Direção: Thomas McCarthy
Roteiro: Josh Singer, Tom McCarthy
Elenco: Billy Crudup, Brian Chamberlain, Brian d’Arcy James, Doug Murray, Duane Murray, Elena Wohl, Gene Amoroso, Jamey Sheridan, John Slattery, Liev Schreiber, Mark Ruffalo, Michael Cyril Creighton, Michael Keaton, Neal Huff, Paul Guilfoyle, Rachel McAdams, Robert B. Kennedy, Sharon McFarlane, Stanley Tucci
Produção: Blye Pagon Faust, Michael Sugar, Nicole Rocklin, Steve Golin
Fotografia: Masanobu Takayanagi
Montador: Tom McArdle
Trilha Sonora: Howard Shore
Duração: 128 min.
Ano: 2015
País: Estados Unidos
Cor: Colorido
Estreia: 07/01/2016 (Brasil)
Distribuidora: Sony Pictures
Estúdio: Anonymous Content / Participant Media / Rocklin / Faust
Classificação: 12 anos

Cadu Barros

Cineasta e jornalista, já dirigiu curtas premiados e trabalha há 10 anos em televisão. Cinéfilo desde criança, é fanático por Star Wars, e inclusive já realizou um fan film da saga. Apesar de ter clara preferência por filmes de ficção científica, fantasia e adaptações de quadrinhos, Cadu curte tudo quanto é tipo de filme, desde este seja bem-sucedido em sua proposta narrativa.
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