Crítica de Filme | The Lobster

Bruno Giacobbo

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9 de outubro de 2015

Uma pesquisa realizada em 2013, pelo IBGE, divulgada amplamente nos principais jornais do Brasil, revelou que os jovens, principalmente os homens, estão saindo cada vez mais tarde de casa. É a chamada geração canguru, em uma alusão ao fato das fêmeas desta espécie animal carregarem seus filhotes em uma bolsa localizada junto à barriga. Na sociedade em que vivemos, hoje, isto não é nenhum problema. Trata-se apenas de uma mudança de comportamento em relação às gerações de nossos pais e avós. No entanto, imagine, agora, se, em um futuro nem tão distante assim, for decretada uma lei que obrigue as pessoas a se casarem depois de uma determinada idade. Ou ainda: que não permita que ninguém fique desquitado ou viúvo por muito tempo. Imaginou? Calma, pois ainda tem mais. Como qualquer lei, o seu descumprimento é passível de uma punição e esta seria a transformação do infrator em um animal de sua escolha. Surreal, não é mesmo? Não para o cineasta grego Yorgos Lanthimos, o cérebro genial por trás de The Lobster, um dos filmes mais criativos dos últimos tempos.

Primeira produção internacional do realizador helênico, totalmente falada em inglês, esta comédia romântica, repleta de humor negro, conta a história de David (Colin Farrell), um arquiteto que ficou recentemente viúvo. Expirado o tempo limite que tinha para permanecer sozinho, ele viaja para o hotel aonde todos os solitários são enviados em busca de sua alma gêmea. Chegando lá, ao fazer o check-in, é obrigado a responder a pergunta inevitável: em que animal gostaria de ser transformado, caso falhe na missão de encontrar uma nova parceira? A resposta é imediata: uma lagosta. Os motivos são vários. Por viver mais de 100 anos, ter sangue azul e permanecer fértil até o fim da vida. Se em 45 dias ele não encontrar um amor de verdade, este será seu destino. A única chance de prorrogar este prazo sem encontrar alguém, é participando de uma misteriosa caçada em uma floresta nos arredores do estabelecimento turístico. Neste ambiente convidativo e hostil, simultaneamente, David conhecerá figuras esquisitas e sua vida tomará um rumo inesperado.

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De um jeito completamente diferente de tudo o que já foi filmado, este longa fala de amor, de como é difícil viver com alguém, mesmo quando temos certeza que gostamos desta pessoa, e do medo que a maioria tem, ainda que não admita, de morrer sozinho. No momento que escrevo esta crítica, tenho 37 anos. Nunca me casei. Se vivesse na realidade futurista concebida por Lanthimos, provavelmente, já teria sido enviado para o hotel há muito tempo. Não sei se saberia responder com tanta convicção a pergunta crucial, na hora do check-in. Uma lagosta? Não, sob hipótese alguma. Talvez um ornitorrinco, bicho que sempre admirei por seu exotismo e por ser um híbrido de vários outros. Mas, esta, de qualquer forma, não seria uma resposta convicta. A verdade é que o cineasta só conseguiu criar esta história por causa da época em que vivemos. Quando os casamentos eram acertados em arranjos familiares, celebrados em função de interesses sociais ou políticos, amor era uma palavra sem sentido. As pessoas simplesmente casavam e ficavam juntas até o fim da vida.

O maior trunfo de The Lobster é o seu fabuloso roteiro. Este é um filme que depende, essencialmente, de sua história. Toda a parte técnica, aqui, é complementar. Logo, para que este futuro distópico fizesse sentido e despertasse no público a vontade de acompanhar sua trama até o fim, não poderia haver furos. Pode ser que algumas pessoas levem um tempo para entenderem tudo, mas as peças estão lá. Cada detalhe foi muito bem pensado. E como seria difícil acreditar em distopia sem rebeldia, na total submissão dos homens às leis, este aspecto também foi contemplado no texto final. Em termos de originalidade, esta obra de Lanthimos pode ser comparada, sem nenhum demérito ou receio de parecer pretensioso, a “Fahrenheit 451” (1966), de François Truffaut, e “Quero Ser John Malkovich” (1999), de Spike Jonze.

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E se a história não for suficiente para convencer os adeptos de filmes, digamos, mais convencionais, é só pensar o seguinte: seu protagonista, Colin Farrell, está em franco renascimento profissional. Quem viu a segunda temporada de “True Detective” sabe disto. Aqui, ele dá mais um show de interpretação. E ele não está sozinho. O elenco internacional reunido pelo diretor conta com Rachel Weisz, Léa Seydoux, John C. Reilly e Angeliki Papoulia (colaboradora frequente do grego), todos, muito bem em seus papéis. E há, também, uma fotografia esplêndida que fará o espectador mais reticente querer viajar, o quanto antes, para aquele hotel e responder àquela pergunta incômoda de qualquer maneira: Eu quero ser um camundongo, por favor.

Desliguem seus celulares e excelente diversão.

(Filme assistido no 17º Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro).

FICHA TÉCNICA:
Direção, roteiro e produção: Yorgos Lanthimos.
Co-roteirista: Efthimis Filippou.
Co-produção: Ceci Dempsey, Ed Guiney e Lee Magiday.
Elenco: Colin Farrell, Rachel Weisz, Léa Seydoux, Angeliki Papoulia, John C. Reilly, Ben Whishaw, Jessica Barden, Olivia Colman, Ashley Jensen, Ariane Labed, Michael Smiley e Roger Ashton-Griffiths.
Diretor de Fotografia: Thimios Bakatakis.
Montagem: Yorgos Mavropsaridis.
Direção de Arte: Mark Kelly.
Duração: 118 minutos.
País: Grécia, Grã-Bretanha, França, Holanda e Irlanda.
Ano: 2015.

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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