Crítica de Filme | Vício Inerente

Bruno Giacobbo

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26 de março de 2015

A virada da década de 60 para 70 é um período bastante emblemático na história do cinema. Foi nesta época que surgiu um movimento chamado “Nova Hollywood”. Composto por jovens realizadores e atores repletos de idéias originais, este grupo queria fazer filmes que refletissem seus anseios e sonhos. Se para levá-los adiante fosse necessário perpetrar uma revolução que retirasse o poder dos estúdios e o transferisse para os artistas, eles a fariam. Tal mudança no ‘status quo’ não aconteceu, mas grandes obras foram produzidas. Algumas atuais até hoje. E não era só a indústria cinematográfica que estava em ebulição. Pelo mundo afora, jovens pediam paz, fumavam maconha e faziam amor. Grupos radicais formados por brancos e negros se digladiavam, às vezes mortalmente, na defesa de seus ideais. Já na política norte-americana, Nixon não poderia prever o furacão que varreria seu governo. Com tanta coisa ocorrendo ao mesmo tempo, era natural que muitos destes filmes levassem para a telona esta orgia histórica. Agora, imaginem um que tenha um pouquinho de todos estes elementos em uma única trama? O resultado desta junção é Vício Inerente, o mais novo e estimulante trabalho de Paul Thomas Anderson.

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Ambientada em 1970 e baseada no livro homônimo de Thomas Pynchon, a história gira em torno do detetive particular e maconheiro, em tempo integral, Larry ‘Doc’ Sportello (Joaquin Phoenix). Um dia, ele recebe o pedido de ajuda mais inusitado de sua carreira. Uma ex-namorada, a belíssima Shasta Fay Hepworth (Katherine Waterston) está de caso com Mickey Wolfmann (Eric Roberts), um poderoso empresário do ramo imobiliário da Califórnia. O problema é que a esposa deste, uma ardilosa perua chamada Sloane (Serena Scott Thomas), descobriu o relacionamento e agora quer envolvê-la em uma conspiração para internar o marido e ficar com a fortuna dele. Sem saber o que fazer e apaixonada, ela procura a única pessoa em que confia. Incapaz de resistir aos apelos e beicinhos da linda mulher, Doc decide ajudar, mas logo se arrependerá. Ao cruzar o caminho de tipos sinistros como o policial Christian ‘Bigfoot’ Bjornsen (Josh Brolin), um verdadeiro cachorro louco que detesta hippies, uma gangue de motoqueiros neonazistas e misteriosos traficantes, ele precisará salvar a própria pele.

Dotado de uma dose generosa de um humor ácido, o longa-metragem de Paul Thomas Anderson é bem diferente dos policiais que as novas gerações estão acostumadas. Não há cenas de ação em abundância. Muito menos brigas ou tiros em profusão. Os seus 148 minutos, que podem cansar um pouco algumas pessoas, se desenrolam na mesma velocidade em que somos apresentados a todos os elementos espalhados, aqui e acolá, no excelente roteiro escrito pelo diretor e indicado ao último Oscar. Com calma, pacientemente, como deve ser o olhar do espectador para não perder nenhum detalhe, por mais insignificante que este pareça. A este texto primoroso soma-se um conjunto de boas atuações, com especial destaque para a dupla Phoenix-Brolin, um ótimo trabalho de caracterização desenvolvido pela equipe de design de produção, figurinos de um colorido berrante e uma trilha sonora repleta de músicas da época. Desta forma, a imersão no clima do filme é tão profunda, que quase dá para sentir o cheiro da erva queimando.

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Vício Inerente é uma bela viagem de volta aos anos 70 e justa homenagem a uma das melhores obras cinematográficas daquela década: “Chinatown” (1974), de Roman Polanski. As interseções entre os dois são nítidas. Em ambos, um detetive particular é procurado por uma beldade angustiada. Ela conta uma história envolvendo um figurão californiano e pede ajuda. Sem saber a confusão que o aguarda, nosso herói mergulha de cabeça. A partir daí, a trama se ramifica em várias e intricadas camadas. Todas carregadas de uma forte carga psicológica. O investigador carcamano, vivido por Phoenix,nada mais é do que um JJ Gittes (Jack Nicholson), protagonista do clássico setentista, entorpecido de maconha. Em menor escala, evoca, também, outra obra-prima do período. A truculência de Bigfoot se parece com a do policial Popeye Doyle (Gene Hackman), em “Operação França” (1971), de William Friedkin. Além da referência óbvia ao elevado consumo de drogas, a expressão ‘vício inerente’ é utilizada por quem trabalha com apólices de seguros marítimos para designar tudo àquilo que é inevitável ou que não pode ser previsto, consequentemente, segurado. Logo, não custa nada avisar: Talvez seja inevitável o público gostar deste filme.

Desliguem os celulares e ótima diversão.

BEM NA FITA: Entre tantas coisas, o que mais me agradou foi o título propositalmente dúbio. Ainda bem que foi traduzido de forma literal!

QUEIMOU O FILME: Nada que prejudique o filme.

FICHA TÉCNICA:

Direção, roteiro e produção: Paul Thomas Anderson.
Elenco: Joaquin Phoenix, Josh Brolin, Katherine Waterston, Owen Wilson, Serena Scott Thomas Reese Witherspoon, Benicio Del Toro, Jena Malone, Peter McRobbie, Sasha Pieterse, Maya Rudolph, Martin Short, Kevin J. O’Connor, Yvette Yates, Timothy Simons, Emma Dumont, Jeannie Berlin e Joanna Newsom.
Trilha Sonora: Jonny Greenwood.
Direção de Fotografia: Robert Elswit.
Montagem: Leslie Jones.
Duração: 148 minutos.
Ano: 2014.
País: Estados Unidos.

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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