Crítica de Série | Scream Queens (Episódio Piloto)

Cristiane Passafaro Guzzi

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24 de setembro de 2015

Premissa básica: jovens pretensos a universitários, dentro de uma fraternidade com todos os clichês bem delineados. Os atletas, a patricinha, o grupinho que pratica bullying, a feia, a gorda, a fútil, o gay, a esquisita, os empregados, os que querem agradar. Somado a isso, mortes misteriosas, um suposto serial killer à solta e um casal do bem investigativo. Ingredientes repetidos incontáveis vezes na história do cinema e da televisão , mas que nas mãos de Ryan Murphy e Brad Falchuk, a partir do que apresentaram no episódio piloto, ganha contorno sim previsíveis, submersíveis e, quem diria (!), originalíssimos, com première levada a o ar nos EUA e no Brasil, concomitantemente, dia 22 de setembro agora.

SCREAM QUEENS: Chanels on SCREAM QUEENS premiering September 2015 on FOX. ©2015 Fox Broadcasting Co. Pictured L-R: guest-star Ariana Grande, Emma Roberts, Abigail Breslin and Billie Lourd. CR: Steve Dietl/FOX

Emma Roberts, como Chanel Oberlin, protagonista e presidente da Kappa Kappa Tau, consegue encontrar uma prolongação que convence no tom já dado na bem delineada “bitch/witch”, Madison Montgomery, personagem de Coven, Terceira Temporada de American Horror Story (exibida de outubro 2013 a janeiro de 2014). A sempre magistral sacada de Ryan Murphy em trazer atrizes já consagradas para atuar, juntamente com seu elenco diversificado, vem garantindo sucesso, adesão e renascimento de um novo processo para a geração contemporânea: o revisitar de filmes clássicos protagonizados por tais atrizes escolhidas, com excelentes atuações e verdadeiras lições de bom cinema e boa dramaturgia. Vide o estrondoso sucesso da atriz legendária Jessica Lange, responsável pelas melhores, eu diria, sem medo, atuações ao longo do anos do cinema, e, agora, na Era de Ouro da TV. Nesse sentido, Jamie Lee Curtis, ao dividir o protagonismo com Emma Roberts, garante um tom necessário e de maestria para um série que alterna entre boas atuações, artificialismos necessários, exacerbações de arquetípicos, todos, sem exceção, para a construção de um sentido de crítica ácida e ferrenha da própria geração de espectadores que, majoritariamente, assiste a referida série. A atuação que Curtis confere ao seu personagem só pecou, nesse primeiro momento, por estar muito presa a alguns maneirismos emulativos que remetem a memoráveis passagens de Fiona Goode, personagem de Lange, também em Coven (AHS). Talvez, propositalmente, uma tentativa consciente de adesão e migração de tantos fãs criados a partir de American Horror Story.

Da trilha sonora repleta de apropriações saudosistas que marcaram o arco temporal que a série pretende contemplar (1995-2015), temos, no melhor estilo estilizado de Ryan Murphy, um perfeito índice de referência são melhor (e ao pior) da cultura pop e o modo como ela vem moldando tais gerações e seus efeitos. Com um roteiro extremamente bem trabalhado e seguro, característica primordial da parceria entre Murphy, Falchuk, Ian Brennan e sua equipe, encontramos uma estrutura dramática com excelentes tiradas, perfeitos trocadilhos críticos e uma aplicação de preconceitos, atualidades e bizarrices que, se conseguir em manter a entonação até o final desta temporada, poderá, sem risco nessa afirmação, se tornar um bom documento ficcional das sequelas de uma geração que tudo quer, tudo pode, tudo faz, sem qual quer tipo de mediação ou filtro das consequências, afinal, o senso de status e/ou poder aquisitivo devem imperar ou salvá-los.

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A escolha acertada na mescla do gênero trash e do gênero horror permite extrapolações narrativas e visuais que atingem, em cheio, o efeito de humor, deboche, descrença ou riso sem graça em um gradiente que só apresentou-se de modo ascendente no primeiro episódio. Assim como os diálogos frenéticos, presenciamos referências cinematográficas e televisivas compulsivamente lançadas visualmente para o espectador atento que, se seguir a risca, pode elencar uma gramática visual e temática das influências que permeiam a mente dos diretores em questão, além de presenciar, com acertada mão, uma narrativa fluída e bem equilibrada entre humor, tragédia, riso e acidez.

Do figurino milimetricamente dialogando com a densidade de (ou melhor, falta de) cada personagem, temos a construção de um panorama arquetípico, mas que ao mesmo tempo quer e produz os clichês, consegue manter a autoria dos mesmos. Com uma edição de montagem que consegue emular o hibridismo de gêneros e discursos representados, temos a instauração do tom central e que deve permear a série como um todo: o cinismo de uma geração e o que ele fez ou faz na mesma.

Por tudo isso presenciado no piloto e já comprovado no segundo episódio que estreou, como um extra digno de uma première comentada, também, ao vivo, no twitter, por seus atores principais, da nova e conceitual antologia de Murphy & Falchuk, temos só que aguardar memoráveis diálogos, cenas visualmente inesquecíveis e, tomara!, uma manutenção contínua do cinismo e do deboche, criando surpreendentes críticas às histórias revisitadas, tão características do todo de suas produções. E que venha, agora, o show de horrores em Scream Queens!

Cristiane Passafaro Guzzi

É Doutora, em Estudos Literários, pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - Campus Araraquara. Realizou Estágio de Doutorado Sanduíche, em Los Angeles, na Universidade da Califórnia (UCLA). Tem experiência na área de Teoria Literária e Relações Intersemióticas, atuando, principalmente, com os seguintes temas: teoria da literatura, semiótica, cinema, literatura contemporânea, adaptação televisiva e cinematográfica, estudos sobre roteiro. Cinéfila por natureza, leitora por convicção e série addicted. Aficionada pela filmografia da atriz Jessica Lange e sua atuação como fotógrafa. Também é pesquisadora do LABRFF (Los Angeles Brazilian Film Festival - Los Angeles).
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