Crítica de Teatro: A Cela
Stenlånd Leandro
A Cela, (França, Le Sas) de Michel Azama mostrou, em seu ápice, o drama real de presidiárias em vias de “libertação”, numa cela isolada que separa uma vida em cárcere da liberdade.
No elenco, Gabrielle Meira, Dayanne Doroteu, Rai Luz e Monique Couto interpretam a base do monólogo, sendo elas “as libertadas”. Completando o elenco, Renata Messias – Vigilante/Juíza e Tati Campos sendo Maurie Laurie. Além dos papéis citados, Gabrielle Meira vive também a advogada da ”libertada”, e Rai Luz a promotora.
A peça já demonstra um diferencial por ser um monólogo, onde um sexteto de atrizes com potencial soberbo engendram atuações radiantes e (Deus salve a rainha, DIGO, Deus salve a vigilante, interpretada por Renata Messias), pois teve uma atuação que deixou a plateia boquiaberta.
O que foi possível notar é que tantas almas fundem-se em uma única referência ao sofrer da pessoa que estaria neste espetáculo ao desdobrar-se em vários personagens, potencializando uma narrativa transcorrida em diálogos, que seria menos interessante se apresentada com uma atriz só.
Incansável no seu propósito, a trama tecida pelo sexteto, cruza diversas referências e histórias, a princípio díspares, que se encaixam num mesmo caso escabroso e torturante, conturbador e reflexivo, para onde todos os fios narrativos convergem.
Com ritmo ágil e alta dose de drama, cenas de nudez, ou onde a mesma viveria uma possível morte, vieram a ser o que realmente chocou o público, mostrando a limitação de estar por trás das grades ao mostrar seu corpo a outros companheiros de cela e não somente isso. Estas ênfases sugerem experiências compartilháveis por qualquer pessoa nas mesmas circunstâncias e tornam um caso isolado de cárcere irracional, levando a pessoa até a beira da loucura.
No ímpeto da alma e do sofrimento, a obra deixa clara a amplitude e a noção do humano e suas vertentes ao se jogar no submundo do crime, pois, deslocadas de uma estranheza monstruosa, as terríveis ações do ser humano, onde tudo é possível.
Não se sabe se foi proposital, entretanto, a escolha do teatro de bolso (sim, é um teatro minúsculo) alimentou o texto poético que não se centra no mundo exterior, em contrapartida, este constitui um subterfúgio e assim se a obra tivesse de ser exibida em uma casa maior, a sua expressão de sentimentos, a realidade mais pútrida, passando por homossexualismo, cenas de violência dentre outros mais, não teria sido possível de ser sentida em seu máximo, sendo assim, a escolha do teatro, foi um ponto positivo ao grupo para fazer com que a platéia visse o que é realmente estar em uma Cela.
A contribuição do sexteto engrandece o drama de Michel Azama e, mesmo admitindo-se que seja uma obra ainda em processo de experiência, já se credencia a despontar como uma realização excepcional. De nada valeria esta peça se fossem atuações e respostas óbvias ao que já perpetuamos em nosso imaginário, e quem sabe, ir além é o que nos restaria vivenciar. Certo de que alguém poderia argumentar que não se trata de um espetáculo muito original; afinal, viver em uma cela, seria nada mais clássico e mundano, por definição, ser um texto cuja atualidade é constantemente renovada. O que diferencia este ato de outros é a maneira como ressalta essa dor que muitos vivenciam no dia a dia. A tradução, assinada por Edson Rodrigues, encontra uma posição que flui naturalmente o contexto e tese do real autor.
As atrizes proferem o texto com clareza, e nenhuma informação é perdida. Ressalto que ‘poesias‘ são aclamadas e recitadas em seu covil de amargura por ser sentenciada a uma pena nefasta. A energia com que o sexteto (sim, elas dão conta do recado) entregam-se ao personagem também colabora para a conquista do público. Ousar investir no teatro e criar uma CELA que transita entre a fragilidade, revolta e loucura não é para muitos atuarem muito menos assistir, afinal, no ápice da peça ao meu lado, uma pessoa em prantos, mostrava como era duro o enredo ao qual assistíamos.
E então, quando penso que nada mais trágico poderia acontecer, eis que inicia-se um embate de Maurie Laurie (Tati Campos) consigo mesma na cela ao lado, tendo em vista um fim quase que ”previsível” aqueles que deleitam-se por anos trancafiados sem opção de uma vida melhor.
Indo de encontro a um outro ponto, uma das curiosidades da montagem foi a economia da cenografia, composta por uma cortina ao fundo, vídeos (via projetor) e áudios no decorrer da peça , tudo focando a algo lúgubre, funesto, ainda que por momentos fui presenteado com breves cenas “contentamento”, danças e mais danças no íntimo do alter-ego fictício da personagem representada por uma divisão de momentos lindos e chocantes.
Infelizmente, a sonoplastia deixou a desejar, em momentos, o corte do áudio poderia ser menos brusco e grotesco, deixando claro que tal deslize não condena o sexteto e sua atuação.
A conclusão desta peça é que este é um belo exemplo de como, nas mãos certas, a obra do escritor pode ser igualmente tocante com atores ainda sem renome, mas eis que este dia chegará, pois o elenco é competente.
Se você não teve como ir desta vez, vale lembrar que A Cela estará em cartaz toda sexta feira até o termino da temporada que será no dia 16 de agosto.
“A Cela” mostra o drama de presidiárias em vias de libertação
SERVIÇO:
Temporada: De 19 de julho a 16 de agosto (somente às sextas-feiras), às 21h
Onde: Teatro de Bolso Sérgio Britto (Rua da constituição, n°34 – Centro/RJ)
Quanto: R$ 20 (R$ 10 – meia) – Antecipados: Monique – (21) 7231-1719 ou Renata – (21) 9509-4328
Censura: 18 anos
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