Crítica de Teatro: Adágio
Colaboração
*Por Amanda Leal
A primeira peça adulto da Artesanal Cia. De Teatro traz um texto originariamente escrito como um conto , que explora com força a relação entre um filho e sua mãe e conta ainda com um boneco de proporção real em cena.
Desde a entrada para o teatro, quando ainda estávamos procurando a poltrona, o cenário de Carlos Alberto Nunes chama a atenção. O envelhecido, a cor bege, marrom, cinza e o desgastado me causaram algo de estranho e indefinido. Instigou a minha curiosidade.
O desenho de luz de Jorginho de Carvalho também contribui para esse clima e somos sempre colocados a olhar sombras e penumbra. A luz me pareceu se manter constante, exatamente como numa casa o que nos insere ainda mais nessa realidade.
Ao me acomodar na plateia, vejo o músico e me dou conta de que há uma música tocando, algo que eu ainda não havia prestado tanta atenção por causa do burburinho da entrada e pela procura de lugar.
No palco uma senhora sentada de costas para nós, numa cadeira de rodas. Me pergunto: Será uma atriz? Mas, depois de tanto tempo imóvel desconfiei de que ela poderia ser a boneca. A peça começa e vemos um personagem exausto, Damião interpretado por Márcio nascimento. Sua amiga de infância (Suzana Castelo) entra em cena. E ai começamos a acompanhar a história que envolve esses três personagens em espaço e tempo indefinidos.
Logo no início da encenação fui tomada por um pré-conceito de que a peça seria chata, pois o ritmo no começo é muito lento e só aos poucos ele vai acelerando. Bem aos poucos. Passado um tempo a lentidão com ritmo arrastado dá lugar a um ritmo mais ameno e contínuo.
Ao longo do espetáculo vemos personagens que pouco se transformam e que nos revelam, com pequenas pistas, seu passado não muito distante. Márcio Nascimento e Suzana Castelo também pouco se modificam ao longo da peça. A interpretação soa de forma bem naturalista. Márcio faz boas escolhas trabalhando com mais nuances, ainda que o faça de forma sutil. Até mesmo quando ele dá voz à boneca (mãe de Damião) não há nenhum tipo de afetação ou exagero, o que no contrário poderia destoar totalmente do todo.
Já Suzana Castelo, não usa de muitas nuances e sua personagem fica bem linear e talvez isso nos cause certo distanciamento. Seu tom monocórdio nos cansa um pouco, embora a atriz imprima muita verdade no que faz, além de trabalhar bem sua voz, mesmo quando falava baixo foi muito bem ouvida e entendida.
A manipulação é precisa, sutil e hipnotizadora nos convencendo assim que há alguém ali, além de um boneco. E ali estava uma mãe de verdade, que causava reações diversas e surpreendentes em quem assistia. E em certos momentos até esquecíamos que ela era uma boneca.
A presença do músico Márcio Malard foi essencial. Dando vida ao cenário e nos ajudando a embarcar na historia que nos era mostrada. Suas intervenções ajudavam a pontuar as cenas e sem dúvida foi uma escolha positiva para compor o cenário e instaurar ainda mais o clima na peça.
O texto nos entrega apenas aquilo que precisamos saber. Ele não perdeu o caráter do conto, onde nos entrega pouco sobre as personagens, não se aprofunda. E nos toca. E termina sem nenhuma cerimônia, exatamente como começou. Do nada. Para que fique em nós a pergunta: E agora, o que será que vai acontecer?
A imagem que fica do espetáculo é como se fosse um quadro de pintura envelhecida e borrada com pinceladas mal feitas. Você contempla. E os atores pouco se movimentam, há uma serenidade gostosa e ao mesmo tempo triste, onde você não sente o tempo passar. Há uma harmonia não somente musical, mas, no toque, nas cores, na energia dos atores que é emprestada para a boneca e devolvida para eles, é o Adágio. O que é mérito da direção coesa e bem pensada de Gustavo Bicalho e Henrique Gonçalves.
Adágio é sem dúvida um grande motivo para ir ao teatro, mas, não vá com pré- conceitos e não a julgue nos primeiros dez minutos. Apenas se permita participar dessa agradável experiência e aposto que você nem sentirá o tempo passar e ainda dirá: – Já terminou?