Crítica de Teatro | Amargo Fruto – A Vida de Billie Holiday

Anna Cintra

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10 de setembro de 2015

Ela foi uma grande estrela do Showbiz americano, dona de um timbre único e uma maneira diferente de modular as notas musicais, mas teve a sua carreira recheada de escândalos. Alcoólatra e usuária de heroína, quebrou tantos tabus quantas foram as vezes em que esteve presa ou na rehab. Com seus casos amorosos expostos e pra lá de conturbados, foi uma das precursoras ( contra a sua vontade! ) do que entendemos atualmente como “imã de paparazzi”. Amargo Fruto – A Vida de Billie Holiday, com direção de Ticiana Studart, nos conta a história daquela que se tornou uma das principais almas do Jazz. Ladies and Gentlemen, Billie Holiday!

De forma cronológica e linear, o espetáculo mostra o quanto Billie (contemporânea de outros mitos do gênero, como Ella Fitzgerald,Duke Ellington e Sara Vaughan) precisou lutar contra o preconceito racial,mesmo depois de ser uma das mais bem pagas cantoras da Rua 52 ( o coração do Jazz nova-iorquino) e apresentar-se várias vezes em casas como o Carnegie Hall,acompanhada de grandes orquestras. Mostra também o quanto alguns fantasmas da infância influenciaram suas más escolhas.

Nascida na Filadélfia,em 1915,era negra e pobre numa época em que os EUA praticavam o ódio e a segregação, principalmente nos estados do sul,onde o linchamento era prática comum e a Ku Klux Klan agia em prol de uma América branca. Sadie Fagan, mãe solteira ainda bem jovem,não somente culpava o nascimento da filha Billie por todos os seus infortúnios,como corriqueiramente a abandonava na casa de parentes.Com Sadie, Billie travaria por toda a sua vida um relacionamento neurótico, com pinceladas fortes de ressentimento, dependência e culpa. Cresceu sentindo todo o desprezo à sua volta, aprendendo sobre pequenos furtos e palavrões com os garotos do bairro. Via seu pai, o instrumentista Clarence Holiday,raramente e passaria algumas vezes pelo reformatório. Foi estuprada aos 11 anos e alguns relatos indicam que Sadie a teria iniciado na prostituição. Um ponto positivo do espetáculo (dentre vários!) é mostrar claramente as diferentes versões da história uma vez que,em sua autobiografia, Billie conta os fatos do seu jeito, sempre fantasiando uma família típica de comercial de margarina. Mais tarde, suas canções refletiriam essa complexa teia emocional.

Foto: Cristina Granato

Foto: Cristina Granato

Lilian Valeska encarna BRILHANTEMENTE todas as fases da torch singer (cantora que queima de paixão), sem a necessidade de ser uma cópia exata da mesma. Óbvio que o excelente trabalho corporal da atriz, aliado ao excepcional figurino de época e ao bem cuidado visagismo,garantem a “presença” de Billie Holiday no palco. Ela está ali: em carne,osso e casaco de vison! E, claro, gardênias nos cabelos! Mas são os arranjos musicais, inteligentemente adaptados para Lilian, que garantem a perfeita simbiose entre a atriz e os músicos que a acompanham.Várias canções ilustram seu talento ( All of Me, Summertime, God Bless The Child …), sendo Strange Fruit, a primeira música de protesto americana e que dá título ao espetáculo,precedida de sua tradução em português. Ela é declamada por Lilian (“As árvores do Sul dão um fruto estranho / Sangue nas folhas e sangue nas raízes / Corpos negros balançam na brisa do Sul / Um estranho fruto pendente dos choupos…”), com ênfase em cada palavra.

Os inúmeros homens que passaram pela vida de Billie Holiday, fossem eles seus produtores ou os péssimos maridos que seu dedo-podre escolhia (traficantes, violentos, gigolôs…), são citados durante a narrativa ou representados por Milton Filho. E fica a cargo de Vilma Melo alguns dos momentos de humor do espetáculo, como quando interpreta uma dançarina com ciúmes da atenção dada a novata cantora. Aliás, em muitos momentos, Vilma rouba a cena, com presença marcante.

Aurora dos Campos e Paulo César Medeiros (responsáveis pela cenografia e pela iluminação, respectivamente), cumprem bem o objetivo de recriar a atmosfera dos night clubs esfumaçados da época da Lei Seca e da Grande Depressão.As sombras e contra-luzes promovem efeitos visuais agradáveis e conferem grande poesia e unidade ao espetáculo.

Com aplausos eufóricos ao final de cada número musical, Amargo Fruto – A Vida de Billie Holiday tem tudo para ser o destaque da temporada.

:: FICHA TÉCNICA
Texto: Jau Sant´Angelo e Ticiana Studart
Direção: Ticiana Studart
Direção Musical e Arranjos: Marcelo Alonso Neves
Elenco: Lilian Valeska, Milton Filho e Vilma Mello
Músicos: Berval Moraes (baixo acústico), Emile Saubole (bateria), Gabriel Gabriel (saxofone) e Rodrigo de Marsillac (piano)
Iluminação: Paulo César Medeiros
Cenografia: Aurora dos Campos
Figurino: Marcelo Marques
Desenho de Som: Branco Ferreira
Visagismo: Ernane Pinho
Preparação Vocal: Mona Vilardo
Direção de Movimento: Sueli Guerra
Preparadora de Língua Inglesa: Alma Thomas
Programação Visual: Clara Melliande
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Direção de Produção: Maria Inês Vale
Coordenação Geral: Maria Vitória Furtado
Idealização: Jau Sant´Angelo
Realização: Vitória Produções

Anna Cintra

Estudante de Psicologia há dois semestres, metida à mochileira há alguns anos e interessada em Fotografia desde sempre! Tem mania de sair com o cabelo molhado, de tomar mate gelado e de Ricardo Darin. É de Niterói, mora em Maricá e diariamente atravessa a Guanabara para trabalhar. Tá sempre saudosa de Porto Alegre, do Guaíba e do Quintana. Adora lugares com farol, mar e Iemanjá. E jura que viu Deus no último grande show que assistiu: ele estava no palco,usava uma bata, óculos escuros,cantava e tocava piano como ninguém! Pera! Esse era o Stevie Wonder...!
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