Crítica de Teatro | Dispare

Anna Cintra

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2 de setembro de 2015

A Cia. Boto – Vermelho comemora seus vinte anos e apresenta Dispare, peça que já esteve em cartaz no Teatro Sólis ( Montevidéu), aqui pertinho de nós, no Teatro Alcione Araújo da Biblioteca Parque Estadual. Três atores – Ludmila Wischansky, Ricardo Schöpke e Artur Gedankien – interpretam as três diferentes faces ( ou “EUs”) de um mesmo ser que é continuamente atravessado pelas mais diferentes forças (éticas,sociais, morais, sentimentais, do mundo…) e que tenta encontrar no suicídio o silêncio de todas essas múltiplas vozes internas.

Dispare não é uma peça confortável ou de fácil entendimento. Exige considerações que vão além do pensamento comum ou, no mínimo, com boa dose de sensibilidade. A forma angustiante como é apresentado o eterno embate entre os ” EUs” pode causar um certo estranhamento. Verdade que a culpa pode ser nossa, enquanto público, já tão acostumados a termos tudo “mastigadinho”.
O texto, de Roger Mello ( que também assina a direção), possui trechos belíssimos: “Gosto dessa terceira pessoa que é o você longe de mim, inofensivo, obediente. Sem sua disposição matinal, sua coleção de revistas,sua mania de criticar exposições de arte em que nunca pôs os pés. Onde quer que você não esteja. Vou te dizer uma única vez. Fica aí. Gosto de você no seu lugar.” Mas, por algum motivo, ele não apresenta a mesma eficácia no palco.

Dispare-

Apesar disso, Dispare exala uma criatividade autêntica e nos apresenta várias possibilidades teatrais, como um quarto ator misturado à platéia ( Pedro Cavalcante ) e o montante de sucata espalhado ao longo da frente do palco, por onde saem os elementos teatrais utilizados em cena. A luz, a cargo de Ricardo Schöpke, é corretíssima e um dos momentos de maior beleza poética é quando o “EU” de um dos atores se vê refletido pelo “EU” da atriz,através de um truque no espelho do fundo, ao som de “Hope There’s Someone” (da banda indie Antony and The Johnsons, gentilmente me informa o próprio Ricardo!). Cena que sintetiza toda a questão desenvolvida há séculos por filósofos e psicólogos: enquanto inteiros somos múltiplos; somos, inclusive, o outro.

::FICHA TÉCNICA
Texto, direção, cenografia e direção musical: Roger Mello.
Pesquisa e consultoria de filosofia: Regina Schöpke e Mauro Baladi.
Direção de produção: Ricardo Schöpke.
Assistência de direção: Artur Gedankien.
Elenco: Artur Gedankien, Ludmila Wischansky, Pedro Cavalcante e Ricardo Schöpke
Figurino: Ney Madeira, Pati Faedo e Dani Vidal
Direção de movimento: Roberta Repetto.
Arquitetura de luz: Ricardo Schöpke.
Fotos: Martin Atme
Realização Cia BOTO-VERMELHO

Anna Cintra

Estudante de Psicologia há dois semestres, metida à mochileira há alguns anos e interessada em Fotografia desde sempre! Tem mania de sair com o cabelo molhado, de tomar mate gelado e de Ricardo Darin. É de Niterói, mora em Maricá e diariamente atravessa a Guanabara para trabalhar. Tá sempre saudosa de Porto Alegre, do Guaíba e do Quintana. Adora lugares com farol, mar e Iemanjá. E jura que viu Deus no último grande show que assistiu: ele estava no palco,usava uma bata, óculos escuros,cantava e tocava piano como ninguém! Pera! Esse era o Stevie Wonder...!
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