Crítica de Teatro | Silêncio!

Julliana Della Costa

O que falamos quando estamos em silêncio? Quanto silencio existe quando estamos falando? Será uma forma de esquiva e paralisação ou um grito implosivo passível de tempo? A peça Silêncio!, de Renata Mizrahi, passa por esse viés pedindo para que o público, se acostume a olhar quase instintivamente para o que se cala, construindo o laço de cumplicidade entre atores e plateia.

Baseada no artigo da Historiadora Beatriz Kushnir, Renata, encontrou uma forma bastante leve e corriqueira de abordar o tabu sobre jovens judias que vieram do Leste Europeu no final no século XIX e início do século XX para virarem prostitutas na América, as ditas “polacas”.

“A história se passa nos dias de hoje, num jantar de família judaico, em que o patriarca David (Jitman Vibranoviski), marido de Esther (Suzana Faini), conta que está escrevendo um livro sobre sua vida. As revelações provocam indignação, brigas e um final surpreendente.”

Foto: Renato Mangolin

Suzana Faini, conduz com maestria o talentoso elenco e consegue despertar todas as emoções cabíveis num sutil monólogo onde a matriarca da família, conservadora e vaidosa, tenta argumentos para vetar qualquer possibilidade esclarecedora. Jitman Vibranovski junto à Verônica Reis (Regina), formam uma linda orquestra de “sons corporais” que gritam inquietações produzindo tensão no espetáculo. Karen Coelho (Clara) é sem dúvida um presente para sua geração, sua força em cena, forma um ótimo contraste com a doce interpretação de Gabriela Estevão (Débora) e, as duas, auxiliadas com o humor e visão dos personagens de Alexandre Mofati (Beto) e Vicente Coelho (Flávio) trazem uma perspectiva jovem e esclarecedora sobre a situação. Apresentando um típico conflito de gerações.

No texto de Renata Mizrahi, drama e humor oscilam, dando espaço para outros sentimentos a partir do momento em que inseguranças são expostas, e o outro é apresentado com suas falhas e virtudes. Assinando a direção junto à Priscila Vidca, optou por ter um elenco em cena o tempo inteiro, dando margem para a introspecção de uma plateia curiosa que tenta adivinhar o que acontece quando não se está falando.

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Ao mesmo tempo em que o humor e leveza podem ser considerados um deleite para os diálogos, em algum momento, sente-se falta de um apelo mais dramático, principalmente quando o grande segredo é revelado e existem várias camadas sentimentais a serem exploradas. O público espera por essa revelação, com a expectativa de quem esteve desde o princípio, acompanhando o elenco defender os conflitos de seus personagens, porém, nesse momento de estreia, o impacto da revelação não aconteceu e ficou sendo apenas mais uma informação.

O Teatro de arena, traz uma intimidade para a plateia formando uma linda arquitetura para o cenário de Nello Marresse, que reforçado pela iluminação aberta de Renato Machado, permite que o público se sinta parte daquela estrutura , enfatizando o clima de “lar”, independente da sofisticação, diferenças, crença ou religião, ficando a lembrança, por conta de alguns elementos cênicos e do figurino bastante característico de Bruno Perlatto.

Silêncio! além de introduzir um tema (talvez) desconhecido por muitos, traz um texto leve e dinâmico, fazendo o público refletir acerca de seus relacionamentos e valores, levando o olhar além de rótulos, e mostrando que sim, às vezes o passado deve ser revivido e brigas internas devem ser enfrentadas para que nos encontremos num presente mais fidedigno ao nosso tempo e essência. Como diria Fernando Pessoa: “É fácil trocar as palavras, Difícil é interpretar os silêncios! É fácil caminhar lado a lado, Difícil é saber como se encontrar!”

Julliana Della Costa

Atriz, apaixonada por musicais, artes visuais, jazz e design. O contato profissional com a música, veio ainda criança, participando de corais, gravando CDs, e viajando feliz pelo Sul. Fã de Mary Poppins e Marilyn Monroe, colocou na cabeça que teatro e música seria o casamento perfeito e há 20 anos está nesse relacionamento sério. Ex estudante de psicologia, resolveu também se graduar em design gráfico e encontrou mais um motivo para os cabelos brancos nascerem. Com uma introspecção disfarçada, vê na poesia e textos um lugar para chamar de “lar” e fazer sua auto- análise diária com a desculpa de se dizer Cult, é claro.

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