Crítica de Teatro: Uma Vida Boa

Giselle Costa Rosa

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6 de abril de 2014

Não saber o que se é. Nunca achar algo que nos faça crer que somos além daquilo que se vê num reflexo, no outro, na normatização imposta. Olhar-se e não se reconhecer nas linhas do seu corpo, na falta de desejo pelo sexo oposto e não entender qual processo te levou a estar naquele lugar, desestabiliza qualquer um.

A montagem Uma vida boa, com texto de Rafael Primot optou a utilizar só as iniciais dos três personagens centrais dessa tragédia – B.(Amanda Vides Veras), L.( Julianne Trevisol) e J. (Daniel Chagas) – , levando em consideração a sugestão do diretor Diogo Liberano.

A história fala sobre a transformação de Teena Renae Brandon em Brandon Teena, enredo que foi levada ao cinema em “Meninos Não Choram”, em 1999. Ela nasce e como a maioria das mães, encantada em ter uma menina, quer transformá-la numa princesinha. Porém nenhum sentido faz se vestir como mulher ou agir como uma. Para B. as garotas em volta são muito, mas muito mais interessantes. Como entender tal coisa e colocar pra si que não se é uma aberração, se a diferença é tão gritante entre você e os homens? Diante de um fervilhar hormonal que a colocou no jogo das perdas e ganhos do amor, não há como se conter, nem se abster. Lidar com tantos desejos e anseios e não saber exatamente o que se é, permanecendo sob constante julgamento, esmaga-a contra a possibilidade de viver livre de agressões e hostilidades, restando-lhe a clandestinidade de gênero.

O incômodo sentido por B., por não saber exatamente o que ele é, parece se transformar em intolerância no outro. Como assim é mulher, mas se veste e se porta como um homem, “enganando” a todos por onde passa? Sustenta-se como uma coisa inconcebível aos olhos dessas pessoas que o cercam. Isso o faz fugir de uma cidade a outra. Até que se depara com o ódio e o preconceito elevado a valores extremos, a ponto de suscitar naqueles que não entendem a diversidade e pluralidade do Ser, dando lugar ao ódio e a vontade de exterminar aquilo que não se enquadra, sobretudo no padrão heteronormativo.

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Teena passa se apresentar como Brandom, aqui simplesmente B. E assim vai galgando pra si uma nova vida. Um caminho sem volta, expondo-se cada vez mais. B., circulando por cidades pequenas, é visto sempre como novidade, colocando-o como assunto das rodas de conversa. É a “carne nova” do pedaço onde as meninas fitam e meninos sempre desconfiam e sentem ciúme da atenção dispensada ao novo carinha do pedaço. Mas é o envolvimento amoroso com uma jovem cantora que trará à tona violência do ex-detento j. (um dos caras locais), despertando reações extremadas e ampliando os conflitos interiores de quem vive a dualidade de gênero.

Diogo Liberano nos traz uma montagem com uma narrativa com aspecto documental, expondo momentos da vida de B., os conflitos, sofrimentos e dúvidas do que se é e do que se quer. Foca nas contradições, na dualidade de esconder e descobrir. Explora a história de forma a não colocá-la simplesmente no papel de vítima.

>>Confira mais informações sobre a peça.

Daniela Sanchez faz um excelente trabalho na iluminação, já a trilha sonora, sob responsabilidade de Diogo Ahmed Pereira, ajuda-nos a entrar clima muitas vezes onírico. O emocional pulsa forte nas falas de cada personagem. A cenografia, de Brunella Provvidente, traz a simplicidade e articulação necessária para apresentação dos recortes da história.

Amanda Vides Veras, na pele de B., mostra a fragilidade de sua personagem, assim como a agressividade expressa quando lhe questionam sobre o que ela seria afinal. Ela consegue passar o incômodo, o medo e, muitas vezes, desespero em estar num corpo no qual não se reconhece e viver aquilo que se deseja, estando sempre sob risco que descubram que não é um homem. A bela Julianne Trevisol, no papel da cantora, cresce durante a peça e se destaca na cena final, quando fala de como seria se nada daquilo tivesse ocorrido. Daniel Chagas é a presença truculenta exigida pelo texto, moldado na ignorância e no machismo imperante.

FICHA TÉCNICA:

DRAMATURGIA: Rafael Primot
DIREÇÃO: Diogo Liberano
DIRETORA ASSISTENTE: Dominique Arantes
ELENCO: Amanda Vides Veras, Daniel Chagas e Julianne Trevisol
TRILHA SONORA ORIGINAL: Diogo Ahmed Pereira
ILUMINAÇÃO: Daniela Sanchez
FIGURINO E VISAGISMO: Bruno Perlatto
ASSISTENTE DE FIGURINO: Camila Nhary
CABELEIREIRO: Sônia Nesi- Studio de Beleza Sônia Nesi
CENOGRAFIA: Brunella Provvidente
ASSISTENTE DE CENOTÉCNICO E CENOGRAFIA: Ana Machado
DIREÇÃO DE MOVIMENTO: João Pedro Madureira
PREPARAÇÃO VOCAL: Verônica Machado
DESIGN: Daniel Vides Veras
ASSESSORIA DE IMPRENSA: Uns Comunicação – Alan Diniz e Sidimir Sanches
MÍDIAS SOCIAIS: Teo Pasquini
FOTOGRAFIA: Sérgio Baia
FOTOGRAFIA DE CENA: Renato Mangolin
REGISTRO AUDIOVISUAL Matheus Malafaia
GRAVAÇÃO OFF:Adassa Martins e Marina Vianna
CENOTÉCNICO: André Salles
SERRALHEIROS: Djavan e Maranhão
EQUIPE DE MONTAGEM: Gilvan Carmo Silva, Jessé Natan, Walmir Junior e Wellington Carmo Silva
CONTRARREGRAS: Fernando Queiroz e IsaakRazeb
OPERADORA DE LUZ: Juju Moreira
OPERADOR DE SOM: Isaak Razeb
MÚSICOS: Chandra Susilo _Violino, Patricia Cole _ Violino, Richard Cleverley _ Viola, Gillian Kuroiwa _ Cello e Diogo Ahmed _ Piano
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: Ana Lelis e Paula Rollo
PRODUÇÃO EXECUTIVA: Bruno Mariozz
ASSISTENTE DE PRODUÇÃO: Marcelo Mucida
COORDENAÇÃO FINANCEIRA: Gabriela Mendonça e Paula Salles
COLABORAÇÃO: Leonardo Moreira
PRODUTORES ASSOCIADOS: Amanda Vides Veras, Ana Lelis e Pablo Sanábio
IDEALIZAÇÃO: Pablo Sanábio

Giselle Costa Rosa

Integrante da comunidade queer e adepta da prática da tolerância e respeito a todos. Adoro ler livros e textos sobre psicologia. Aventuro-me, vez em quando, a codar. Mas meu trampo é ser analista de mídias. Filmes e séries fazem parte do meu cotidiano que fica mais bacana quando toco violão.
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