Crítica de Teatro | A Visita da Velha Senhora

Anna Cintra

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19 de fevereiro de 2015

Quando fui assistir à A Visita da Velha Senhora, em cartaz no Centro Cultural do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, muito pouco – ou quase nada – sabia sobre seu autor, Friedrich Dürrenmatt. Não tinha a noção exata da importância de sua obra e ainda duvidei se haveria alguma identificação entre minha pacata vida cérebro eletrônico/olhos de vidro e uma peça de um gringo suíço escrita na distante década de cinquenta do século passado. Mas, ao término do terceiro e derradeiro ato, saí com a certeza de que ele sabia muito de mim, de você e de qualquer outra pessoa que ouse questionar a voracidade desmedida do capital na qual uma sociedade hipócrita possa pautar os seus valores.

Tudo porque ele decide contar a história de Claire Zahanassian, da pequena cidade de Güllen, e sua busca por vingança. Ainda adolescente, a apaixonada Claire engravida de Alfred Schill. Covardemente, Schill nega a paternidade, produz provas falsas contra ela no tribunal e a troca por outra. Condenada, humilhada e escorraçada da cidade, Claire encontra na prostituição único meio de vida. Após 45 anos, milionária e dona de poder e influência absurdos, ela retorna à uma Güllen falida e ávida por lhe arrancar alguns bons trocados (lembrem de Tieta do Agreste e de quando ela reaparece em Tubiacanga e entenderão exatamente como Claire é adulada e paparicada nesse momento!). Mas, em troca da generosa ajuda financeira à Güllen, uma exigência: que matem Schill! O que acontece a partir daí aos miseráveis cidadãos e ao patético e desamparado Schill diante de tal proposta é o mote que tenta responder às perguntas: Qual a nossa noção de Justiça? Pode o dinheiro comprar tudo?

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Foto: Marcelo Carnaval / Divulgação

Nessa montagem, a diretora Silvia Monte reúne um elenco bastante afiado. Os 12 atores mostram-se entrosados, dividindo-se em mais de 30 personagens, em inúmeras entradas, num time perfeito! Maria Adélia enaltece todo o ódio e o rancor de Claire brilhantemente: empresta-lhe um olhar irônico, rancoroso e determinado, típico daqueles que carregam feridas abertas na alma. Paira sobre ela uma atmosfera meio “época vitoriana”, seja nos momentos de austeridade ou quando nos empresta, com altivez, a certeza de que sua proposta será aceita. Outro destaque é Marcos Ácher, como o comerciante Schill. Ele se agiganta durante a peça, à medida em que cresce a angústia do personagem por perceber seu provável destino. Cada pausa ou suspiro seu nos diz muito. Atuação irrepreensível!

Aliás, um outro grande acerto da diretora foi a escolha da disposição dos assentos: ao redor dos quatro lados do centro da sala, como se estivéssemos alocados em um pequeno e aconchegante teatro de arena. Um espaço cênico menorzinho, com coxias abertas nas laterais, por onde o elenco transitava com desenvoltura. Me arrisco a dizer que, se no início isso nos causa um pouco de estranheza tamanho o minimalismo na composição cenográfica (constituída, basicamente, de pequenos bancos, algumas projeções e objetos), logo nos deixamos levar por essa relação mais estreita com os atores: eles ali, a cerca de apenas meio metro de distância, numa iluminação correta de Elisa Tandeta e figurinos convincentes de Pedro Sayad, deleitando-se em diálogos ágeis, sem muito espaço para truques ou buracos. E nos envolvendo numa trama que, apropriando-me do título de outra obra de Dürrenmatt, seria cômica se não fosse trágica! Teatro Old School da melhor qualidade!

FICHA TÉCNICA:

Texto: Friedrich Dürrenmatt
Tradução: Mário da Silva
Elenco: Laura Nielsen,Anita Terrana,André Frazzi,Pedro Lamin,Rogério Freitas,Eduardo Rieche,Paulo Japyassú,Marcos Ácher,Maria Adélia,Sávio Moll,Renato Peres,Pedro Messina
Direção: Sílvia Monte
Direção Musical: Marcelo Coutinho
Cenografia: José Dias
Figurinos: Pedro Sayad
Iluminação: Elisa Tandeta
Trilha Sonora: Marcos Caminha
Caracterização: Alexandre Rodrigues
Assessoria de Imprensa: Mônica Riani
Ilustrações projetadas: JP Andrade
Cenotécnica: Pará Produções
Adereços: Pará Produções e Claudia Taylor
Operação de Som: Maíra Lemos
Operação de Luz e Contrarregragem: Cris Ferreira
Operação de Vídeo: Maurício Fuziyama.
Camarim: Juju Santos
Assistente de Direção: Pedro Pedruzzi
Assistente de Figurino: TJ Bastos e Elisa Brasil
Assistente de Cenografia: Anahi Martins
Costureira: Selma Mantovani
Assistente de Caracterização: Adriana Ramos
Assistente de Produção: Alexandre Mattos

Anna Cintra

Estudante de Psicologia há dois semestres, metida à mochileira há alguns anos e interessada em Fotografia desde sempre! Tem mania de sair com o cabelo molhado, de tomar mate gelado e de Ricardo Darin. É de Niterói, mora em Maricá e diariamente atravessa a Guanabara para trabalhar. Tá sempre saudosa de Porto Alegre, do Guaíba e do Quintana. Adora lugares com farol, mar e Iemanjá. E jura que viu Deus no último grande show que assistiu: ele estava no palco,usava uma bata, óculos escuros,cantava e tocava piano como ninguém! Pera! Esse era o Stevie Wonder...!
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