CRÍTICA | ‘Loving’ é bem convencional, mas, ainda assim, um grande filme de época

Bruno Giacobbo

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17 de outubro de 2016

Nos Estados Unidos, a escravidão foi abolida em 1863 através de um decreto assinado pelo presidente Abraham Lincoln. O ato veio em meio à Guerra Civil que assolava o país e só terminaria dois anos mais tarde. Claro que a nação não deixou de ser racista de uma hora para outra. O preconceito é algo arraigado culturalmente. Não nascemos racistas. Não há nada de genético nisto. Este mal é fruto de uma má educação que vem da base e abolir o trabalho escravo foi apenas o primeiro passo de um longo caminho a ser percorrido por todo o povo norte-americano. Consequentemente, até hoje encontramos claras manifestações de preconceito racial. Contudo, dentro do contexto histórico, talvez nenhum momento tenha sido mais emblemático do que os anos 50 e 60 do século XX. Foi nesta época que eclodiu a  luta pelos direitos humanos e pelo empoderamento dos negros,  liderada pelo pastor Martin Luther King. Filmes como, por exemplo, “Selma: Uma Luta Pela Igualdade” (2014) retratam bem este período que sempre foi fonte de boas histórias para Hollywood. Dirigido e escrito por Jeff Nichols, Loving chega para suprir a falta que muitos cinéfilos estavam sentido deste tipo de longa-metragem.

A história começa de forma bem romântica e leve: Mildred (Ruth Negga) conta a Richard (Joel Edgerton) que está grávida. Eles festejam. A notícia também é comemorada por familiares e amigos. Logo, isto não seria nada demais se ele não fosse branco e ela negra, moradores do interior do estado da Virgínia, em pleno ano de 1958. Nesta época, em algumas regiões norte-americanas, a união afetiva entre duas pessoas de “raças” diferentes era algo impensável. Um filho fruto deste relacionamento era ainda pior. No entanto, eles não estão nem aí. Decidem casar e construir uma residência para a família que está sendo formada. O casório ocorre longe dali: no Distrito de Colúmbia, sede do poder federal. E assim eles vão levando uma vida normal e discreta. Só que, um dia, a notícia chega aos ouvidos dos moradores da cidade mais próxima e como o imaginado será um escândalo. A partir daí, os protagonistas vão passar por uma série de provações. Presos, condenados, eles serão obrigados a deixar tudo para trás e viver em outro lugar. Mas desistir não faz parte do vocabulário, principalmente, dela. Movidos pelos mesmos ideais de King na ‘Marcha de Selma’, eles lutarão pelo direito de viver no local que chamam de lar.

Neste novo filme, baseado numa história totalmente real, Nichols volta a um ambiente que lhe é familiar: o sul dos Estados Unidos. Foi lá que ele rodou as aventuras de Ellis (Tye Sheridan) e Neckbone (Jacob Lofland) com o ‘vagabundo’ Mud (Matthew McConaughey), em “Amor Bandido” (2012), em um clima típico do livros de Mark Twain protagonizados por Tom Sawyer e Huckleberry Finn. Só que nesta película, que talvez seja seu maior sucesso até aqui, por mais que existam criminosos, tiros e coisas do gênero, paira no ar certa dose de inocência juvenil. Agora, é diferente. Não temos bandidos de fato. Os vilões seguem fielmente a lei, enquanto os mocinhos é que são punidos pelos olhos cegos desta. Entretanto, outro tipo de violência é praticado contra o ser humano. Uma violência degradante, daquelas que, às vezes, é quase impossível se recuperar emocional e socialmente. E o diretor, ao longo de toda a história, conseguiu construir bem o clima para que o público sentisse a dor dos protagonistas.

Loving faz uso de uma narrativa linear, comum nas cinebiografias. A saga de Richard e Mildred é contada, passo a passo, desde o seu o início até o desfecho esperado pelo público. Não temos cenas em flashback, nem nenhum recurso estilístico ou autoral. Mas é extremamente bem contada e no final há ainda aquelas informações sobre os destinos dos personagens e as tradicionais imagens revelando seus rostos reais. Tudo como manda o figurino. Convencional demais? Sim. E qual é o problema? Por outro lado, é comovente demais também. Os amantes deste tipo de filme vão adorar. Os que têm um pé atrás devem dar uma chance para as diversas coisas legais que ele carrega: a atuação comedida em palavras, mas expansiva em significado do excelente Joel Edgerton. A fotografia de Adam Stone, com sua paleta de cores sóbrias, a direção de arte e os figurinos que, juntos, nos remetem aos anos de lutas e conquistas dos negros norte-americanos, gerando, assim, um grande filme de época.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

*(Filme visto no 18º do Festival do Rio)

TRAILER:

FICHA TÉCNICA:

Direção: Jeff Nichols
Roteiro: Jeff Nichols
Elenco: Ruth Negga, Joel Edgerton, Will Dalton
Gênero: Drama, Romance
País: EUA, Reino unido
Duração: 123 min.

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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