CRÍTICA | ‘Manchester à Beira-Mar’ discorre com maestria a dor emocional

Bruno Giacobbo

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19 de outubro de 2016

A dor emocional, provocada por uma tragédia ou uma grande perda particular, é o mais devastador dos sentimentos. As pessoas podem falar o que elas quiserem, mas ninguém está preparado. Mesmo nos casos de familiares e amigos com doenças terminais, por mais que a gente tente trabalhar o aspecto psicológico ou imaginar como será a vida sem aquele ente, quando a morte chega, tudo acontece de forma bem distinta do que o previsto. Quem já perdeu um parente querido sabe do que estou falando. Com o zelador Lee Chandler (Casey Affleck) não seria diferente. Ele vive em Boston e trabalha como pau para toda obra em alguns condomínios. Mora num quartinho insalubre e é obrigado a aturar broncas, às vezes, injustas. Quando não está levando um sermão de alguém, é submetido a outras humilhações. Com uma rotina destas, não é de se estranhar que ele passe todo o tempo livre em bares, enchendo a cara e se envolvendo em brigas. Sua existência é monótona, entediante e desprovida de qualquer tipo de alegria ou diversão. Contudo, nem sempre foi assim. Um dia, ele recebe uma ligação dizendo que seu irmão, Joe Chandler (Kyle Chandler), morreu. Este telefonema vai tirá-lo do estado letárgico em que vivia. Que se danem os moradores inconvenientes e o chefe que lhe explora. Nada importa. Lee só pensa em uma coisa: correr para Manchester, cidadezinha de pescadores, localizada na costa de Massachusetts, e resolver as pendências deixadas por Joe. Isto sem falar em Patrick (Lucas Hedges), seu sobrinho com quem não tem muito contato hoje.

CRÍTICA #2 | Drama ‘Manchester À Beira-Mar’ consegue ser envolvente, engraçado e delicado

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Manchester à Beira-Mar (Manchester by the Sea), terceiro longa-metragem do cineasta Kenneth Lonergan, dono de duas indicações ao Oscar como roteirista por “Conte Comigo” (2000) e “Gangues de Nova York” (2002), é um drama bastante humano, que não permite outra classificação por gênero. No entanto, ele possui leves pitadas cômicas em situações do cotidiano. Sabe aquele humor involuntário? Você não quer e não é apropriado rir, mas ainda assim não consegue resistir? Então, exatamente deste tipo! O roteiro, também assinado pelo diretor, utiliza duas narrativas para contar sua história: uma no presente, onde acompanhamos Lee trabalhando,  recebendo a notícia da morte do irmão e indo para Manchester; a segunda, no passado, composta de flashbacks. Através dela, descobrimos que Lee era casado com Randy (Michelle Williams), tinha uma rotina pacata com os três filhos e um relacionamento afetuoso com o sobrinho ainda criança. Tudo começa a mudar quando os Chandler são sacudidos pela notícia da doença de Joe. Estas linhas temporais são complementares e juntas elucidam uma série de dúvidas surgidas no início. À medida que elas vão se entrelaçando, vamos sendo surpreendidos pelas reviravoltas da trama e entendendo por que o protagonista trocou a pequena cidade costeira pela grande metrópole cosmopolita. O texto é tão envolvente e crível, que uma terceira indicação para o seu autor não será nenhuma surpresa.

Escrever que a trilha sonora trabalha em favor da história pode parecer redundância, mas não é. Em tese, deveria ser sempre assim, contudo, de vez em quando, não é isto o que acontece. Em alguns filmes, ela é simplesmente colocada de forma inútil ou exagerada. Não é obrigatório o uso de música em uma película. Só para exemplificar: se não fosse pela insistência do produtor Dino De Laurentiis, o saudoso Sidney Lumet teria feito de “Serpico” (1973), sua principal obra-prima, uma produção naturalista. No final das contas, ele utilizou uma composição do maestro grego Mikis Theodorakis. No entanto, aqui, a trilha é fantasticamente aproveitada. Ela dá vida ao filme. É praticamente uma co-protagonista. Em uma cena, num escritório de advocacia, escutamos um adágio tocado pela Filarmônica de Londres. Ele sublinha um instante de incredulidade de Lee. Há, ainda, um pouco de Duke Ellington na voz de Ella Fitzgerald e um tanto de música sacra. Cada uma destas canções está ali para realçar todos os momentos de dor, tristeza, revolta, conformismo, superação e alegria do filme. Nada é por acaso, do mesmo jeito que a fotografia do desconhecido (no Brasil) Jody Lee Lipes não é. Em tons pastéis e variedades de azul, esta enfatiza um quase permanente clima de melancolia que envolve o protagonista, como uma cerração baixa, em um gélido entardecer de inverno.

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A qualidade das atuações é outro aspecto de Manchester à Beira-Mar que merece ser frisado quantas vezes for necessário. Na pele de Patrick, Lucas Hedges, conhecido por participações sem muito destaque em “O Teorema Zero” (2013) ou “O Grande Hotel Budapeste” (2014), é o perfeito retrato de como a maioria das pessoas se sentiria no seu lugar: desorientado e tendo que se acostumar com um futuro sem o pai e com a possibilidade de conviver com um tio que se tornou um desconhecido com o passar dos anos. Já Michelle Williams é um assombro! Sua principal cena dura pouco mais de cinco minutos. Exatamente o mesmo tempo que Beatrice Straight precisou para levar o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por “Rede de Intrigas”, em 1977. Se ela for indicada e vencer, será por causa desta tomada de tirar o fôlego. Entretanto, a grande estrela da companhia é Casey Affleck, o caçula de uma família que viu Ben ganhar dois prêmios da Academia e ainda procura o seu lugar no grand ecran. À beira-mar, no Oceano Pacífico, assim como o Colosso de Rodes de frente para as águas do Mar Egeu, na mitologia grega, ele se agiganta e atrai a atenção de todos os holofotes sempre que aparece. Com o perdão do trocadilho, é uma atuação colossal que o coloca em um patamar acima no ranking dos grandes atores da atualidade. Uma curiosidade final: inusitadamente, seu papel se conecta ao de Amy Adams, em “A Chegada” (2016). Ambos representam formas opostas de se relacionar com o mesmo problema, partindo de perspectivas distintas.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

*(Filme visto no 18º Festival do Rio)

TRAILER:

FICHA TÉCNICA:

Título original: Manchester by the sea
Direção: Kenneth Lonergan
Elenco: Casey Affleck, Kyle Chandler, Michelle Williams
Distribuição: Sony
País: Estados Unidos
Gênero: drama
Ano de produção: 2016
Duração: 135 minutos
Classificação: a definir

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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